No banco do meio na fileira à minha frente, um moço lê um livro. Do outro lado do corredor, outro moço e outro livro. Não estou no metrô de Londres. No universo de um voo doméstico brasileiro, em uma manhã de quinta-feira, essa incidência de leitores me chama a atenção. Eu mesma leio, com o laptop aberto. Talvez eu esteja simplesmente procurando significados e comparsas para a sensação de bem-estar deste momento.
Apuro a visão para tentar enxergar algo do livro do moço da frente. Do outro lado do corredor, o outro moço apoiou o dele na mesinha, sublinha trechos com um lápis e de vez em quando para de ler e parece refletir.
Daqui a 72 horas, Lula estará subindo a rampa do Planalto. Voamos rumo a Brasília. Da minha parte, sem medo de ser feliz. Além disto devo reencontrar amigos de três tribos diferentes, tomar sorvete, andar de sandália havaiana e rever os horizontes infinitos do cerrado.
Mas no espaço de duas fileiras do avião há dois moços que leem livros. De papel. Não é o metrô de Londres. É um voo da LATAM. Resisto o quanto posso, e quando já não posso escrevo dois bilhetinhos onde digo meu nome, profissão e pergunto a cada um deles se se importaria em me dizer que livro lê, primeiro nome, idade e profissão. Talvez dê uma crônica. Talvez não.
Cutuco o ombro do moço da frente e entrego o papelzinho. Peço à mulher da poltrona do corredor (temos um lugar vazio entre nós duas) que por favor passe o bilhetinho ao moço do outro lado. Ela aproveita para me perguntar por que motivo estou com o computador ligado e escrevendo, estaria eu terminando alguma tese? Engatamos uma conversa.
Chegam as respostas.
Lucas, o moço loiro que viaja do outro lado do corredor com a mulher e a filha pequena é advogado, tem 39 anos e está lendo “Dave Grohl – o contador de histórias”, autobiografia do baterista do Foo Fighters e Nirvana. Jonatas tem 40, é preto, profissão oceanógrafo e lê “A vida não é útil”, de Ailton Krenak. Malu é uma mulher bonita, deve estar na casa dos cinquenta, professora aposentada, mudou-se para o litoral. Tem belíssimas tatuagens e temos amigos em comum. Está viajando pelo mesmo motivo que eu -senhorinha branca idosa- e acrescenta “não vai ser fácil, ainda teremos muito desgostos pela frente, vamos tratar de viver esse momento de felicidade”. Ando muito chorona, e tenho que engolir uma lagrimazinha, tomada por uma espécie de epifania profana.
No livro que Jonatan está lendo Krenak diz que “a vida atravessa tudo, atravessa uma pedra, a camada de ozônio, geleiras. A vida vai dos oceanos para a terra firme, atravessa de norte a sul, como uma brisa, em todas as direções. A vida é esse atravessamento do organismo vivo do planeta numa dimensão imaterial. A vida que a gente banalizou, que as pessoas nem sabem o que é e pensam que é só uma palavra”.
Malu, Jonatan e eu vamos à posse do Lula. Não sei se o Lucas também. A vida, neste momento, atravessa o estofamento das poltronas do avião. Depois de quatro anos de um cotidiano de culto à morte e à feiura, a gente vai lá para se misturar a mais umas três centenas de milhares de pessoas de várias cores, profissões, idades e credos, dançar e ser feliz ao som dos cantos ancestrais, roquenrôu, funk, emepebê, samba e gospel que ressoarão pela Esplanada ao longo do dia. A vida é assim, atravessa as diferenças entre as gentes e os gêneros musicais.
É uma coisa desse tipo que desejo a mim mesma, a quem amo e ao meu país, nesta virada icônica do calendário.
Que maravilha! Muita esperança! Vamos celebrar! Te espero lá em cima do Palco!!! Vamos quebrar tudo! Bjs
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