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Mostrando postagens de março, 2020

2 METROS

- Por RICARDO SILVEIRA Fico pensando como e quando essa distância vai acabar. Será por um decreto da OMS? - A partir de hoje, fica abolida a distância de 2 metros entre os seres humanos. O abraço tá libertado. Aperto de mão, go ahead. Pode encostar nas coisas e nos outros. Quando isso tudo acabar, imagino, isso tudo não vai acabar. Seremos, pelo menos nesta camada de quase 8 bilhões de seres humanos, grandes vírus-deliveries para sempre. Não que já não o fôssemos. O problema é que gente só carregava viroses categoria neura-zero. Éramos grandes distribuidores de gripes, resfriados, tosses, piriris e qualquer outra coisa facilmente minimizada na farmácia da esquina. Agora, não. Somos chernobyls ambulantes. O césio 137 está ou estará em nós, parece ser apenas uma questão de tempo. Mesmo que o teste da Covid-19 dê o “você ainda não tem isso, meu filho”, tudo indica que coronado você será. Aí tem a parada dos dois metros. Depois que a OMS decretar que somos se

MEDO DE ABRIR A GELADEIRA

- Por DANIELA MARTINS Comecei a notar uma mudança nos posts dos amigos nas redes sociais hoje: uma mergulhava em Fernando de Noronha, outro estava num palco de teatro, outra estava se casando, e assim por diante.  Entendi que estamos sentindo falta de vida, relembrando os momentos em que nos sentimos felizes viajando, mergulhando, atuando, filmando, celebrando. Atualmente, não produzimos mais teatro, música, filmes, exposições, eventos esportivos, nada – nem novela! É claro que temos inúmeras opções disponíveis nas redes, porque o acervo da humanidade é fantástico nesse sentido. Ontem, por exemplo, começamos a ver “Os Sertões”, um projeto teatral icônico da galera do Oficina, baseado na obra homônima de Euclides da Cunha, que rolou entre 2002 e 2007. São mais de dez horas de duração ao todo, que Zé Celso Martinez Corrêa está subindo em vídeo para o YouTube. Quando mais rolaria tempo pra isso? Tem também uma penca de artistas se apresentando ao vivo pela inte

ESPERAMOS ENQUANTO OS SINOS DOBRAM

- Por SOLANGE REIS Passagem emitida e apartamento temporário contratado. A Espanha estava três semanas ao alcance das mãos. Os botões desse lado de cá eram desligados, um a um. Nada mais podia dar errado, e nossa mudança de Sydney para Madri era quase fato consumado. Já nos víamos, felizes, na sacada de ferro de um apartamento pequeno e barulhento na capital espanhola. Eu, a reclamar da personalidade dramática das pessoas, do cigarro e do preconceito com vegetarianos. A tropeçar num idioma que não me vem naturalmente. E, claro, a abominar as touradas. Fora isso, aberta a quase tudo do espírito ibérico. Reis, Dulcineias e Sorollas. De brinde, a Europa no estalar dos dedos. Ele, confortável naquele que é seu país de alma. Tão à vontade com os ‘esses e jotas’ da língua, que chegaria a confundir os nativos. “¿De qué parte de España eres?” ouviria todos os dias. Fingindo modéstia, conquistaria com seu sorriso perdulário um povo colonizador. A Espanha o acolheria, por supues

A TAL DA CLOROQUINA

- Por J. MARCELO ALVES Nestes tempos de preocupação com a Covid-19, todo mundo sai procurando informação como pode. Um amigo meu me mandou um áudio outro dia com uma pergunta: cloroquina e fosfato de cloroquina são a mesma coisa? "Me manda aí um parágrafo explicando!" Uma discussão entre leigos em um grupo de WhatsApp dele estava pegando fogo com isso e, sabendo que sou cientista, ele resolveu me perguntar. Não sou químico, e sim biólogo, mas tentei ajudar baseado no pouco de química que estudamos em nossa formação. A discussão no grupo se devia à notícia da morte de um americano que, junto com sua esposa (ainda internada em estado grave na época da notícia), havia ingerido, acredite se quiser, uma forma de cloroquina encontrada em um produto usado para limpar aquários. Alguns no grupo estavam dizendo que era fosfato de cloroquina, a mesma coisa que o medicamento vendido para controlar malária e que ficou famoso recentemente quando o presidente Trump, em meio a vária

E SE FOR UMA OITENTENA?

- Por RICARDO SILVEIRA Tenho pensado em algumas coisas durante essa worldtreta. Uma delas é a duração disso que se convencionou chamar de quarentena. Afegão-médio juramentado que sou, tenho a impressão de que vamos puxar uma oitentena, talvez mais. É o que eu leio por aqui e por ali. Minha fonte mais confiável é a China: se a parada começou lá em janeiro, talvez em abril eles estejam livres para sair às ruas, mesmo que ainda não livres das máscaras. Mas, e se for mais? Aqui, nas trocas de zazáps entre conhecidos, temos debatido algumas ideias, já que tempo para pensar nisso é o que nos sobra. Uma delas é bem crazy people. Criar quatro turmas globais, como se pudéssemos separar os cidadãos em 4 clusters diferentes. O número de clusters está relacionado diretamente ao número de semanas do mês. E como seria? Quando a virulência do contágio der uma boa baixada, cada turma dessas quatro seria liberada para voltar à vida que tinha. Uma delas por semana. Sinal verde d

O VÍRUS DO DIVÓRCIO

- Por EDUARDO MUYLAERT Uma preocupação repentina começou a incendiar o mundo: o corona vírus vai acabar com os casamentos? Claro, a questão só se põe aos que esperam sobreviver à provação.  E os solteiros têm outro tipo de problemas, que também não são pequenos. O primeiro alerta veio do chinês Global Times. A cidade de Xian estaria experimentando um pico de divórcios, como repercussão do COVID-19. Os cartórios reabriram em 1° de março e precisaram criar um sistema de agendamento por telefone, para dar conta desse novo surto. Os conflitos subjacentes não resistiram a um mês de confinamento. Alguns casais, entretanto, depois se arrependeram decisão tomada de impulso e querem voltar a se casar. Mesmo os bovinos, em estado de confinamento, sofrem de violação de seu espaço, o que resulta em aumento de agressividade e estresse. Ratos de laboratório passaram a engordar, perdem imunidade, se entediam e passam a fazer sexo acima da média. Parece que os humanos em monogâmia forçada  faz

O QUE VOCÊ ESTÁ OUVINDO?

- Por J. MARCELO ALVES A Chris perguntou outro dia: o que você está lendo ? A ideia dela, ótima, é de vez em quando postarmos sobre livros que estejamos lendo nesses dias de atividades reduzidas fora de casa. Vou "roubar" a ideia e perguntar: o que você está ouvindo ? Domingo (ontem) passei a maior parte da tarde fazendo uma tarefa daquelas para esvaziar a mente: raspar tinta velha, de décadas, de uma grade de ferro aqui em casa. Uma delícia, nada de redes, nada de notícias, nada de nada. Só que, para mim, sempre tem música --se não estiver tocando fora, toca dentro da minha cabeça, frequentemente. Então é claro que eu tinha que colocar algo para tocar enquanto eu usava a espátula na grade. Sempre gostei da banda texana ZZ Top , ouço músicas deles há muitos anos e fui a uma apresentação deles quando morava nos EUA. Com o passar dos anos, fui passando a entender cada vez mais a genialidade dos três americanos e sua mistura de blues e rock. É o tipo de música que

PENSO, LEIGO EXISTO

- Por RICARDO SILVEIRA No planeta, pandemia. Na cabeça, pandemônio. Se tem fitinha e aparelho para medir diabetes em 3 segundos, por que não tem uma pra detectar o corona igual teste de grávida? Qual é o recorde mundial de velocidade de produção de vacina depois do surgimento de um novo vírus? Já consultaram algum um pajé? O treco passa pelo ar, pela água ou pelo dinheiro? Por que tanto na Itália e Espanha e não tanto na França e Alemanha? Algum astrólogo viu um 2020 assim? É um vírus único? É o mesmíssimo vírus em todo ser-humano ou o organismo de cada ser-humano pode ter seu vírus particular? É possível que isso já circulasse, na moita, antes do primeiro chinês diagnosticado e que algo não relacionado a ele tenha catapultado a bagaça? Por que os anticorpos de gripes passadas não funcionam agora? Já fuçaram as gavetas da NASA? Tem alguém 100% imune a esse treco mesmo sem a vacina? Se o vírus fica vivo no chão por dias a fio na rua, algum tipo de fumacê

FAÇA-ME O FAVOR -- UMA ODE A PARASITAS E MACONHEIROS

- Por J. MARCELO ALVES O presidente dos EUA disse ter pedido a executivos da indústria farmacêutica: " Do me a favor, speed it up, speed it up " (façam-me um favor, acelerem, acelerem). Ele se referia ao desenvolvimento de uma vacina contra o SARS-CoV-2, o novo coronavírus responsável pela doença que está fazendo a festa pelo mundo, a Covid-19. Acontece que o desenvolvimento de drogas, e especialmente vacinas, não pode ser apressado tão facilmente; a vida não é filme de Hollywood. Não se está falando de fabricar um novo modelo de celular ou pneu de caminhão. As chamadas leis da natureza estão aí e não podem ser ignoradas. O editor-chefe da revista Science, uma das mais importantes do mundo há mais de 100 anos, explica bem ao presidente dele e a quem mais quiser ler em um ótimo editorial , então não vou me alongar mais nisso agora. Nos EUA, a ciência tem estado sob ataque nos últimos tempos. Lá, desmontaram partes do sistema de controle de pandemias e vêm cortando

SE O PROBLEMA É A IMUNIDADE, FIQUEMOS COM A HUMANIDADE

- Por DANIELA PINTÃO - Dona Terezinhaaaaa, gritei da janela. Ela apareceu de bobes no cabelo e sorriso no rosto, como sempre. Era quinta-feira e eu queria saber se ela precisava que eu fosse ao mercado ou à farmácia para ela. Nossa conversa se deu pelas respectivas janelas, a alguns metros de distância, como manda a atual etiqueta sanitária. Há quatro anos divido a parede do terraço, a janela e as conversas de corredor com esta simpática senhora de 92 anos, 40 deles morando no quarteirão mais movimentado do Baixo Augusta, em São Paulo. Claro que ela não conhece o nome gourmetizado que deram para o bairro em que vive desde que se mudou de Campo Mourão, no interior do Paraná, para a capital paulista. Para ela, é simplesmente Augusta. Já me contou sobre anos gloriosos (dos quais só ouviu falar), prostituição (no auge, quando ela chegou), a transformação com as baladas cool no início dos anos 2000 e a posterior ocupação da rua  pelos mais diversos tipos e tribos . Tudo

O MUNDO DE CABEÇA PARA BAIXO

- Por EDUARDO MUYLAERT Uma das artimanhas da literatura fantástica é a irrupção do anormal em um mundo aparentemente normal. A descoberta de que nosso mundo pode não estar funcionando bem pode produzir sentimentos de ameaça, medo e angústia. Para Freud, “tem-se um efeito sinistro quando se apagam os limites entre fantasia e realidade, quando aparece como real diante de nós algo que antes tínhamos como fantástico”. Nem todo mundo aprecia a literatura fantástica, dos góticos ingleses aos pós-modernos, mas esse gênero tem um enorme público e continua vendendo bem. O personagem de Kafka acorda transformado num estranho inseto, e a vida prossegue. Você vai tomar o café da manhã e seu falecido avô está comendo uma torrada. Você abre os jornais e descobre que foi reduzido a uma espécie de inseto, que não pode mais sair de casa nem ver seus parentes ou amigos. O mundo lá fora mudou, o comércio fechou, não há mais bares, restaurantes, lojas, academias. Vendo os jornais da

DEVANEIOS GEL-ALCOOLIZADOS

- Por RICARDO SILVEIRA Tenho pensado muito sobre essa gelatina benta, o álcool gel. De tudo que leio e zapeio, a prevenção disponível, além do isolamento social, ainda é lavar as mãos e usar o álcool gel. Acontece que o álcool gel tem uma vantagem. Você não pode lavar as mãos três centésimos de segundo depois de abrir a porta e pegar seu jornal, por exemplo. Com o álcool gel, dá. Não só dá como é o jeito. Por isso, desenvolvi certa adoração pela meleca salvadora. Tenho usado um mantra aqui, cujos direitos de uso estão por mim agora liberados, worldwide: tocou em algo, taca álcool gel. Repeat évribari: tocou em algo, taca álcool gel. Antes que maledicentes se adiantem: não, não tenho qualquer interesse, a não ser o humanitário, em tal ode geleco-alcoolizada. Meu interesse é que ela se espalhe, literalmente. Fico aqui, entre uma passadinha e outra desta maravilha nas mãos, pensando em ideias. Por exemplo. Os famosos marketplaces da vida bem que podiam isentar o frete

CORONAVÍRUS E EXCLUSÃO SOCIAL

- Por DANIELA MARTINS Hoje eu vi, bem ao lado da minha casa, um morador de rua preparando seu abrigo solitário com pranchas de madeira velhas e papelão. Fiquei olhando a cena por alguns minutos e vendo o cuidado com que ele arrumava tudo. Uma lona preta dobrada sobre o carrinho de metal indicava que toda aquela estrutura seria coberta. Aquele será o seu refúgio solitário para tentar atravessar uma pandemia que já matou mais de 12 mil pessoas pelo mundo e que parece estar longe do fim? Muitas vezes parei para conversar com pessoas em situação de rua - sou filha de assistente social e aprendi cedo que é preciso enxergar as pessoas antes dos problemas. Aprendi também que trocar algumas palavras pode valer tanto quanto o dinheiro em algumas situações. São seres humanos que passam por inúmeras necessidades e precisam ser ajudados, mas que também gostam de ser ouvidos, de falar sobre seus cachorros, seus gatos, seus filhos, seus desejos. Um morador da Sé já me deu uma aula

TRABALHAR EM CASA… SERÁ?

- Por J. MARCELO ALVES Não estou como o amigo Tony Goes, que está se divertindo “com o desespero de algumas pessoas, subitamente forçadas ao home office ”. Sou uma dessas pessoas. OK, sem exageros, não estou propriamente desesperado (por enquanto) mas ainda não me adaptei ao esquema de teletrabalho. Às vezes acho que não vou me adaptar. Sempre admirei as pessoas, como minha esposa, que conseguem ter a disciplina necessária para trabalhar a partir de casa. Hora para começar, terminar, intervalos e refeições, resistir ao buraco negro que é minha cama quando bate aquela sonolência no meio da tarde... E como, às vezes, não trabalhar além da conta? A gente se distrai e vai indo, e quando vê está se matando de burn out . Além disso, talvez mais importantes para mim sejam o ambiente e a rotina. Se estou sentado na minha sala na universidade, meu cérebro fica num modo de funcionamento diferente daquele em que está se estou sentado na frente do meu computador em casa. Tem sido muito

O QUE VOCÊ ESTÁ LENDO?

- Por CHRISTINANA MARIANI Entre uma caminhada do quarto para sala, da cozinha para o banheiro, depois de fazer yoga online, meditar, lavar passar, cozinhar, verificar se minha filha de 13 anos está mesmo acompanhando as aulas online da escola, fazer uma conference call com as amigas no House Party, passar horas e horas lendo, respondendo e repassando milhares de memes, áudios e mensagens de solidariedade, força, carinho, desespero, angústia e todos os sentimentos imagináveis da família, dos amigos, inimigos e grupos possíveis e impossíveis no WhatsApp, de ouvir as notícias no rádio e na TV, ver uma ou duas séries, sofrer pela mãe de 82 anos que está longe e sozinha e pelo sogro de 87 que usa um marcapasso, ter pena da cachorra que mal pode ir à rua, ter medo de engordar loucamente e de faltar comida, remédio e tinta para o cabelo, e de esperar, nervosa, pelo marido, exposto aos horrores da rua porque não pode parar de trabalhar, respiro e paro para ler ”Boneco de neve”, de Jo Nesb

ORGULHO DA VERGONHA ALHEIA

- Por SOLANGE REIS Correu o mundo a imagem de três mulheres se estapeando num supermercado australiano por um pacote de papel higiênico. Terminado o fuzuê, nenhuma levou para casa esse item tão desejado em tempos de pandemia. Pior, duas acabaram indiciadas por perturbação da ordem. “Uma vergonha! De que forma o mundo nos verá agora?”, me disse uma conhecida, genuinamente abalada. Ah, os australianos! Eles esquecem que já vimos ‘Crocodile Dundee’ e as atuações de Mel Gibson.  Aussies , sempre tão desconectados da realidade. Talvez porque a Austrália nem exista na Terra Plana.  Pensei imediatamente no presidente brasileiro. Sua sugestão de cocô dia sim, dia não contra a mudança climática. E a acusação de que Leonardo DiCaprio financia as queimadas na Amazônia. Teve também aquela quando ele chamou de herói o chefe da milícia fluminense e disse que o erro da ditadura foi torturar e não matar. É Bolsonaro no seu melhor. Ou seria quando negou a uma mulher a honra do estup

UM DIA DE CADA VEZ, o estoque

-Por ETEL FROTA Batatas, laranjas e embalagens de álcool gel higienizadas e guardadas, começamos por aqui a quarentena. Porteira fechada. A gripe do demonho , aqui, não entra. Se já tiver entrado, daqui não sai para empestear mais ninguém. Uns 5 anos atrás, eu estaria no limiar culpado da felicidade, com minhas meninas embaixo da asa, sem as noites de espera do barulhinho da chave na fechadura. Bastaria que as mensalidades estivessem em dia, para que as universidades, particulares, onde elas estudavam pensassem no resto. E o resto era mandar os alunos para o lugar mais seguro, cada um na sua casa. Reviveria os tempos felizes, em que não precisava me ocupar com o que estariam “comendo por aí”, já que refeições seriam limitadas à comidinha balanceada da mamãe, em horários combinados.   [Não que eu seja de comer com hora marcada, aliás, detesto. Mas sempre que houve necessidade de estabelecer comitê doméstico de crise, rolou uma certa ordem. Ressuscitava-se a frase: “isto aqui

COMO NÃO DOMINO, EU CHUTO

- Por RICARDO SILVEIRA Alguns assuntos são como bola: os craques dominam e os demais dão de bico. Abaixo, uma lista de chutes em temas que não domino. Chuto que, em pouco tempo, muitas empresas vão descobrir que sobrevivem com menos metros quadrados alugados e que parte desse custo operacional vai migrar da coluna da despesa para o resultado dos balanços. Chuto que as pessoas ganharão um pouco mais de peso, o que deixará o futuro da indústria do espelho (termo que imagino ter acabado de inventar) um pouco mais animado. Chuto que todos enfim entenderão o valor do ar livre, negociando a favor dele o tempo antes dedicado às telas do mundo mobáio. Chuto que logo haverá uma overdose de telas e seus conteúdos. Chuto que todos teremos direito ao prazer de uma hora de banho de sol. Chuto que sentiremos como uma bênção esse prazer nos queimar o coração. Chuto que pais finalmente conhecerão seus filhos. E vice-versa. Chuto que a descoberta de um, dois ou mai

HONEY, I'M HOME

                                          - por TONY GOES Estou me divertindo com o desespero de algumas pessoas, subitamente forçadas ao home office. Eu trabalho direto em casa há quase três anos, e tive outras experiências do gênero ao longo da minha carreira. É bom? É óóótemo. Para começar, não é preciso se embelezar, ou sequer se vestir, para trabalhar em casa. Eu não tenho um mumu havaiano como o que o Homer Simpson desfilou quando encarou um escritório caseiro, mas, neste exato momento, estou usando calças tailandesas esvoaçantes. Também é maravilhoso não ter que enfrentar o trânsito, e poder parar de repente para ver televisão. Há perrengues? Sim, claro. Quem tem criança em casa deve estar procurando um método para eliminá-las sem muita dor. Eu tenho minha mãe de 83 anos, que não entende muito bem o conceito de home office e vem de 15 em 15 minutos me pedir para mudar o canal da TV do quarto dela, pois não sabe usar o controle remoto. De vez em quando, também sinto falta d

QUARENTENA, GUARDA COMPARTILHADA E FAMÍLIAS AMPLIADAS

- Por DANIELA MARTINS O coronavírus chegou e todo mundo se trancou em casa. Por aqui somos eu, três filhos adolescentes e dois gatos. Os dias foram passando enquanto tentávamos acessar o site congestionado da escola para acompanhar as videoaulas e nos empanturrávamos de comida, porque quarentena dá uma fome louca. A quinta-feira foi chegando e com ela uma dúvida: devo mandar as crianças para a casa do pai na semana que vem? E se lá não estiver tudo neuroticamente desinfetado com álcool? Numa hora de medo, vou ficar longe dos meus filhos e eles vão dividir seus dias com a madrasta? Isso seria justo com ela? Pirei, é claro, mas sei que não estou sozinha no surto. Estou longe de ser a única a viver a realidade das novas famílias ampliadas, aquelas que apresentam configurações diferentes de pai, mãe e filhos vivendo sob o mesmo teto. Hoje, de acordo com o IBGE, 50,1% das famílias brasileiras agregam madrastas, padrastos, irmãos e avós emprestados, pais divorciados, mães ou

VARA CURTA CHUCHANDO O DRAGÃO

- por TONY GOES O populismo não sobrevive se não tiver muitos inimigos, quase sempre imaginários. É preciso galvanizar a massa ignorante contra o comunismo, os estrangeiros, os gays, a mídia. Nos EUA, Donald Trump foi aconselhado por um âncora da Fox News a se referir ao coronavírus como "o vírus chinês" - uma maneira de jogar para um país distante toda a culpa por uma crise que ele não tem competência para enfrentar. Por aqui, Zero-Três não tardou a copiar a tática, e ainda chuchou a China num dia em que seu pai pagou de trapalhão em rede nacional, lutando contra uma máscara (e perdendo feio). Distraiu a atenção de parte do público? Sim! Energizou os seguidores que ainda lhe restam? Sim! Criou um problema desnecessário com nosso maior parceiro comercial! Sim, sim, sim! Analistas alegam que a embaixada da China não tinha nada que responder, para não validar a provocação do Vara Curta. Acontece que uma ditadura não tem como ignorar os ataques, sob o risco de parecer frou

CRÔNICA DE UM TREINAMENTO TARDIO, MAS NEM TANTO

O texto abaixo foi originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo em dezembro de 2016, quando os Focassauros se reuniram pela primeira vez: - Por EDUARDO MUYLAERT Mais de 1.500 candidatos se inscreveram correndo quando a Folha anunciou seu Primeiro Programa de Treinamento Sênior, reservado aos maiores de 40 anos. Muitos nem sabiam bem o que estavam fazendo, mas queriam suprir, ainda que por 60 dias, a lacuna ou a frustração de não terem sido jornalistas. O “vestibular” não foi fácil, mas, no dia 3 de outubro, os 12 escolhidos foram chegando timidamente, com certa reverência, ao quinto andar do prédio da rua Barão de Limeira, a famosa redação .  A recepção foi animadora; cada um recebeu uma bancada de trabalho, com computador e telefone, um endereço de e-mail no Grupo Folha, o clássico “Manual de Redação” e ainda um objeto mágico, o bloquinho com o logo do jornal na capa, verdadeiro fetiche. Ao fim do primeiro dia, todos saíram se sentindo jornalistas, melhor, jorna