Pular para o conteúdo principal

MEDO DE ABRIR A GELADEIRA



- Por DANIELA MARTINS

Comecei a notar uma mudança nos posts dos amigos nas redes sociais hoje: uma mergulhava em Fernando de Noronha, outro estava num palco de teatro, outra estava se casando, e assim por diante. 

Entendi que estamos sentindo falta de vida, relembrando os momentos em que nos sentimos felizes viajando, mergulhando, atuando, filmando, celebrando.

Atualmente, não produzimos mais teatro, música, filmes, exposições, eventos esportivos, nada – nem novela! É claro que temos inúmeras opções disponíveis nas redes, porque o acervo da humanidade é fantástico nesse sentido.

Ontem, por exemplo, começamos a ver “Os Sertões”, um projeto teatral icônico da galera do Oficina, baseado na obra homônima de Euclides da Cunha, que rolou entre 2002 e 2007. São mais de dez horas de duração ao todo, que Zé Celso Martinez Corrêa está subindo em vídeo para o YouTube. Quando mais rolaria tempo pra isso?

Tem também uma penca de artistas se apresentando ao vivo pela internet em festivais e em shows solo, tem de tudo. Mas falta a vida real, falta a tal da aura de que falava Walter Benjamin. Tanto que abri o Instagram e vi de cara um meme que dizia “Medo de abrir a geladeira e encontrar mais uma live cultural”. Acho que Benjamin ia curtir essa.

Me parece que a internet achata tudo, nivela tudo, tira o tesão de tudo. Assista Zé Celso no laptop e comprove.

Romero Britto deu uma aula de pintura ao vivo pela web hoje cedo.

Há anos, um velho grafite gritou em algum muro deste mundo que Romero Britto é o provolone das artes. Talvez seja isso, tenho achado tudo com um gosto indefectível de provolone. 

Pior, de provolone defumado.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Posse da Vida

                      No banco do meio na fileira à minha frente, um moço lê um livro. Do outro lado do corredor, outro moço e outro livro. Não estou no metrô de Londres. No universo de um voo doméstico brasileiro, em uma manhã de quinta-feira, essa incidência de leitores me chama a atenção. Eu mesma leio, com o laptop aberto. Talvez eu esteja simplesmente procurando significados e comparsas para a sensação de bem-estar deste momento.               Apuro a visão para tentar enxergar algo do livro do moço da frente. Do outro lado do corredor, o outro moço apoiou o dele na mesinha, sublinha trechos com um lápis e de vez em quando para de ler e parece refletir.               Daqui a 72 horas, Lula estará subindo a rampa do Planalto. Voamos rumo a Brasília. Da minha parte, sem medo de ser feli...

Anything else I can help you with, ma´am? – parte 3

  ETEL FROTA Em Auckland, passo por debaixo do wharenui , o enorme portal da casa comunitária de encontros māori, de onde ressoa um delicado canto feminino de boas-vindas. A viagem foi dura, mas estou na Nova Zelândia, onde tudo sempre dá certo. Cara a cara com a senhora da imigração, já cheguei me justificando. Sorry, tinha tido problemas no preenchimento da NZeTA, primeiro, e depois na NETD. Fui depositando no balcão o celular aberto no formulário parcialmente preenchido, o certificado de vacinação impresso, o PCR negativo, passaporte. Muito ansiosa, esbarro nas palavras em meu inglês enferrujado pelo confinamento. [Aliás, tenho percebido que enferrujadas estão minhas habilidades de comunicação, mas isto não é assunto para agora.] Com um sorriso protocolar, ela sequer olhou para meu calhamaço.   Tranquilamente, me estendeu uma folha de papel, um xerox mal ajambrado, onde eu deveria marcar um xis declarando estar vacinada e outro confirmando ter tido um PCR negativo até ...