- Por DANIELA PINTÃO
- Dona Terezinhaaaaa, gritei da janela.
Ela apareceu de bobes no cabelo e sorriso no rosto, como sempre. Era quinta-feira e eu queria saber se ela precisava que eu fosse ao mercado ou à farmácia para ela. Nossa conversa se deu pelas respectivas janelas, a alguns metros de distância, como manda a atual etiqueta sanitária.
Há quatro anos divido a parede do terraço, a janela e as conversas de corredor com esta simpática senhora de 92 anos, 40 deles morando no quarteirão mais movimentado do Baixo Augusta, em São Paulo. Claro que ela não conhece o nome gourmetizado que deram para o bairro em que vive desde que se mudou de Campo Mourão, no interior do Paraná, para a capital paulista. Para ela, é simplesmente Augusta.
Já me contou sobre anos gloriosos (dos quais só ouviu falar), prostituição (no auge, quando ela chegou), a transformação com as baladas cool no início dos anos 2000 e a posterior ocupação da rua pelos mais diversos tipos e tribos. Tudo junto e misturado ou já ostentando uma nova paisagem urbana, “as meninas”, como ela se refere às prostitutas da região, sempre estiveram presentes “e com elas sempre me dei muito bem”, costuma dizer.
Dessa vez, nossa conversa foi mais prosaica. Depois de muitos berros meus pela janela e de muitos “ãhs?” como resposta, Dona Terezinha me pediu para comprar máscaras. Em seguida, passamos para o terraço para que ela ditasse sua lista de compras pelo muro – ela não escuta muito bem e achamos melhor não obrigar os outros condôminos, já estressados e também confinados, a continuar escutando nosso colóquio.
Não consegui as máscaras, há dias desaparecidas das farmácias, mas fiz a compra no supermercado e deixei ao pé de sua porta. E combinamos de seguir assim até a crise passar. Hoje, ao abrir a porta de casa pela manhã, encontrei, pendurado na maçaneta, um saquinho com pão caseiro, feito por ela. Em tempos de isolamento social, presidentes bipolares e montanha-russa emocional, esses pequenos gestos afagam a alma e alimentam uma pequena esperança na humanidade.
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