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ORGULHO DA VERGONHA ALHEIA

- Por SOLANGE REIS

Correu o mundo a imagem de três mulheres se estapeando num supermercado australiano por um pacote de papel higiênico. Terminado o fuzuê, nenhuma levou para casa esse item tão desejado em tempos de pandemia. Pior, duas acabaram indiciadas por perturbação da ordem.

“Uma vergonha! De que forma o mundo nos verá agora?”, me disse uma conhecida, genuinamente abalada.

Ah, os australianos! Eles esquecem que já vimos ‘Crocodile Dundee’ e as atuações de Mel Gibson. Aussies, sempre tão desconectados da realidade. Talvez porque a Austrália nem exista na Terra Plana. 

Pensei imediatamente no presidente brasileiro. Sua sugestão de cocô dia sim, dia não contra a mudança climática. E a acusação de que Leonardo DiCaprio financia as queimadas na Amazônia.
Teve também aquela quando ele chamou de herói o chefe da milícia fluminense e disse que o erro da ditadura foi torturar e não matar. É Bolsonaro no seu melhor. Ou seria quando negou a uma mulher a honra do estupro?

Outro choramingo da australiana fez meu pensamento voltar para essa terra onde quase nunca acontece nada. Via Santiago, porque é bem mais rápido.

Tudo bem, a Austrália queimou literalmente a céu aberto no último verão. Mas é preciso esperar para ter certeza de que aquilo não foi um one-off. Tipo ‘Rhythm of the Night’, sucesso da banda Corona nos anos 90. Vejam, nem tudo que é corona é permanente.

Com um misto de pena e inveja, tive vontade de dar um abraço na minha interlocutora e dizer que as coisas vão ficar bem. Logo, logo, vamos conversar de novo sobre o trânsito ruim na Harbor Bridge.

Olhei à volta. Notei um operário loiro de chinelo e meia, com uma quentinha de sushi na mão. Um pouco mais longe, o lamento triste de um magpie, provando que nem tudo aqui tenta nos matar. Pelo menos, não o tempo todo. Foi quando senti muito orgulho da vergonha alheia.




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