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2 METROS


- Por RICARDO SILVEIRA

Fico pensando como e quando essa distância vai acabar.

Será por um decreto da OMS?

- A partir de hoje, fica abolida a distância de 2 metros entre os seres humanos.

O abraço tá libertado. Aperto de mão, go ahead. Pode encostar nas coisas e nos outros.

Quando isso tudo acabar, imagino, isso tudo não vai acabar.

Seremos, pelo menos nesta camada de quase 8 bilhões de seres humanos, grandes vírus-deliveries para sempre.

Não que já não o fôssemos.

O problema é que gente só carregava viroses categoria neura-zero.

Éramos grandes distribuidores de gripes, resfriados, tosses, piriris e qualquer outra coisa facilmente minimizada na farmácia da esquina.

Agora, não. Somos chernobyls ambulantes.

O césio 137 está ou estará em nós, parece ser apenas uma questão de tempo.

Mesmo que o teste da Covid-19 dê o “você ainda não tem isso, meu filho”, tudo indica que coronado você será.

Aí tem a parada dos dois metros.

Depois que a OMS decretar que somos seres sociáveis de novo, quando vamos confiar nisso?

Dezembro de 2020: entrar no elevador da firma.
Janeiro de 2021: restaurante por quilo.
Abril de 2021, prova de corrida de rua.
Junho de 2021, show de música, desde que em espaço aberto.

Estão aí fazendo tenebrosas projeções sobre a economia.

Tenho visto poucas projeções sobre a sociologia, tema que me intriga por demais.

Qual será o impacto disso tudo no futuro das relações?

Será que a brasileirada vai passar a se comportar como o que até outro dia se chamava de frieza dos gringos?

Aumentará a consciência coletiva?

Vem aqui meu chernobyl amigo, me dê um abraço.

Ou será que adotaremos para sempre um novo jeito viver oriental tropical?

Leio que a baixa curva de contágio no Japão se dá justamente por isso: uma sociedade que não se encosta muito, quase chamego-zero, usa máscara como cueca e nem lixeira na rua precisa, tamanha a consciência da importância da higienização urbana assimilada por todos.

Dia desses fui beijar no meu filho. Ele demarcou uma linha imaginária dos 2 metros no chão, quase uma cerca elétrica para sua segurança emocional.

2 metros que nos separam do que éramos poucas semanas atrás e talvez nunca voltemos a ser. Mesmo que a OMS libere o chega mais.


Foto: Pixabay

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