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Mostrando postagens de abril, 2020

QUARENTENA, DIA 46

Por DANIELA MARTINS 30/4 - QUARENTENA, DIA 46. Enquanto a adesão à quarentena cai em todo o país, o número de infectados por aqui ultrapassou hoje o da China. Um estudo da Inglaterra indica que o Brasil tem a maior taxa de contágio de Covid-19 do mundo - cada infectado contamina outras três pessoas - e projeta que as mortes irão dobrar até o fim de semana. No maior jornal do país, a manchete principal foi ocupada o dia todo pela política, não pela pandemia. É a obra de Bolsonaro exposta ao mundo: um desgovernante arrogante, pouco interessado em unir o país, incapaz de manter o foco no assunto que interessa, incapaz de ser solidário, incapaz de sugerir ações eficazes. Ele age como se tivesse raiva dos mortos, um garoto autocentrado que não aceita que atrapalhem seus planos. E que planos seriam esses? Alguém saberia dizer qual é o projeto de Bolsonaro para o Brasil? “Eu é que mando”, “Não sou coveiro”, “Não vai colocar essa conta no meu colo”, “Sou Messias, mas não faço milag

A SUCURI FABULOSA

Por EDUARDO MUYLAERT  1 A sucuri viveu feliz por muitos milhões de anos, apenas sendo o que era. Sua agonia começou quando, assustada com o aquecimento das águas das lagoas e as mudanças nas matas ao redor, resolveu buscar a própria essência e descobrir seu papel na criação. Sem ter muito com quem conversar, começou pelos dicionários. Achou bonito o verbete de um alfarrábio lusitano que a definiu com três atributos: cobra – do Brasil – que atinge dez metros de comprimento. Um sentimento de brasilidade a invadiu, espalhando-se do dorso verde ao ventre amarelado. Embora haja sucuris na Colômbia, Venezuela, Peru, Bolívia, e até no Norte do Paraguai, a vocação bolivariana nunca a seduziu; a sucuri se envaidece quando reconhecem sua nacionalidade e seu tamanho (os pequenos, além de vulneráveis, lutam muito para conquistar respeito e, com frequência, se tornam irritantes).  Adorou a classificação gramatical: substantivo e feminino. Os adjetivos e advérbios estão cada vez mais de

QUARENTENA, DIA 45

Por DANIELA MARTINS 29/4 - QUARENTENA, DIA 45. Ainda não consegui digerir ou comentar o “E daí” do presidente. Mais de cinco mil pessoas perdem a vida para a Covid-19 e o Covard-17 vem a público demonstrar toda a sua falta de empatia e psicopatia, além da completa incapacidade de assumir responsabilidade. Nada disso é novidade, só vai ficando a cada dia mais evidente e inquestionável. O que mais assusta, no entanto, é que um em cada três brasileiros continua apoiando Bolsonaro. O dia começou com o um ministro do Supremo suspendendo a posse do diretor-geral da PF indicado pelo presidente. O novo ministro da Justiça tomou posse à tarde, saudado pelo presidente como “terrivelmente evangélico”, como se isso fosse alguma credencial positiva para um ocupante de cargo público. Em seu discurso, Bolsonaro deixou entrever que ainda não teria desistido de emplacar o amigo de sua família no comando da Polícia Federal. Precisaremos aguardar os próximos capítulos desse filme B. O Velho d

A TRAMELA E O MANCEBO

  Por EDUARDO MUYLAERT  

QUARENTENA, DIA 44

Por DANIELA MARTINS 28/4 - QUARENTENA, DIA 44. Enquanto Bolsonaro emplaca os amigos no Ministério da Justiça e na Polícia Federal, quase quinhentas pessoas morrem pela Covid-19 em um único dia no país que ele deveria estar governando, caso não tivesse prioridades familiares. No absurdo corrente dos dias, só os memes da internet conseguem nos arrancar alguma risada. Blumenau, a cidade que protagonizou aquela reabertura emocionante de um shopping ao som de saxofone, enfrenta um pico de infecções agora. Os cientistas de Oxford são os mais adiantados nos testes de uma vacina. Na torcida. De minha parte, vou fazendo o que posso. Fiz hoje uma lasanha linda e dei uma plantinha do mercado para cada filho. Me arrependi de não ter trazido uma para o meu quarto, talvez fosse reconfortante ter um pedacinho de verde na cabeceira enquanto eu estiver engaiolada no que vejo e ouço, hamster de mim.

ESTADO DE ALARMA TV

por EDUARDO MUYLAERT  O programa estava no ar, o comentarista político criticava a ação do governo frente à crise gerada pela pandemia, quando passa rapidamente ao fundo uma mulher seminua. Com certeza não era sua esposa. O programa, de Javier Negre, Estado de Alarma TV , gerou uma comoção que se estendeu por toda a península ibérica e chegou até ao Brasil, onde veio a merecer minha atenção. Minha amiga Daniela é uma danada, formada em museologia ela acha cada coisa!  Logo de manhã, para me provocar, enviou um recorte do Diário Luso, apontando uma situação com potencial desfecho criminoso: “ Mulher descobre traição do marido durante vídeo-chamada ”. “ Marta López, uma ex concorrente do ‘Big Brother’ espanhol, descobriu que o marido a traia durante uma vídeo-chamada em direto para um programa no Youtube. O jornalista, Alfonso Merlos, fazia uma análise da atual situação política em Espanha com Javier Negre quando uma mulher passou por trás em roupa interior. O

QUARENTENA, DIA 43

Por DANIELA MARTINS 27/4 - QUARENTENA, DIA 43. Uma filha fazendo os deveres da escola vigiada por um gato, a imagem da tranquilidade e da segurança no meu universo particular. Mas eu sei que, enquanto eu estou trancadinha com os meus filhos, o mundo lá fora já contabiliza mais de três milhões de infectados e cerca de 210 mil mortos. No Brasil, 338 pessoas perderam a vida hoje. É assustador. O pior da quarentena não é estarmos confinados fisicamente, mas estarmos presos num tempo sem futuro, porque qualquer plano que fizermos é incerto enquanto não existir um remédio ou uma vacina contra o vírus. Conviver com a incerteza nunca foi o ponto forte da humanidade. Temos uma enorme necessidade de obter respostas para nossas dúvidas, e as perguntas não respondidas se transformam prontamente em angústias. Religiões, terapias das mais diversas, ciganas e cartomantes ajudam a clarear nossos caminhos e aplacar os questionamentos, mas, durante a pandemia, o futuro nublou de vez. Não dá

VAMOS PERDER NOSSAS MEMÓRIAS?

Por EDUARDO MUYLAERT As cavernas virtuais, nossos discos rígidos e outros os meios de armazenamento, inclusive na nuvem, podem por tudo a perder. Acordei com o belíssimo artigo MEMÓRIAS DO FUTURO , de meu querido amigo e brother, o focassauro J. MARCELO ALVES , vulgo JOT A, para seus admiradores. Compartilho com ele algumas reflexões vindas de meu ensaio de 2015:  DIREITO E FOTOGRAFIA - DUAS PAREDES DA MESMA CAVERNA  (http://hdl.handle.net/10438/15740).  Quem me provocou, logo cedo, foi nossa chefe de redação, a dinâmica DANIELA MARTINS. Uma das alegrias da vida é estar cercado de pessoas tão inteligentes, interessantes e produtivas. A passagem para o século XXI foi marcada pela progressiva implantação da cultura digital. Só no fim do século XIX, bem depois da invenção da fotografia, é que Thomas Edson patenteou a lâmpada elétrica. O telefone chegou ao Brasil logo depois, junto com meio milhão de imigrantes. A televisão ve

MEMÓRIAS DO FUTURO

-Por J. MARCELO ALVES Resisti, mas não posso me furtar a escrever sobre o assunto que não sai da boca do povo nos últimos dias. Como será o futuro de nossas memórias em um mundo de rápida evolução tecnológica? Um papel ou inscrição na pedra você lê por séculos ou milênios, se entender o idioma. Mas vamos conseguir abrir nossos arquivos de áudio, vídeo, imagem, texto e outros daqui a dez anos? E vinte? Cinquenta? O tema surgiu um dia desses em conversa com os Focassauros, mas eu também havia trocado ideias sobre isso uns dias antes com um colega de trabalho ao falar de nossas frustrações ao mandar arquivos para outras pessoas. A discussão, no entanto, não é novidade e existem muitos textos sobre o assunto, há muitos anos. E ainda assim muita gente não tem ideia de sua importância . O primeiro nível do problema está nas mídias onde nossas memórias são salvas. Toda família deve ter umas fitas K7 (áudio) ou VHS (vídeo) enfurnadas em alguma caixa no fundo de um armário, sem ter

QUARENTENA, DIA 42

Por DANIELA MARTINS 26/4 - QUARENTENA, DIA 42. Iniciei a nova semana decidida a ser mais produtiva. Considerei a semana passada uma sucessão de dias de vida perdidos, porque simplesmente não consegui fazer nada que tentei. Uma amiga me disse que precisamos de intervalos assim de vez em quando. Ok, que seja, mas prefiro quando consigo ao menos terminar o que começo, já é uma alegria. Pois acordei hoje e fiz exercícios. Quando acabei a série, me belisquei e conferi: sim, eu estava acordada mesmo! E suada, coisa que detesto. Não acompanhei o noticiário, achei que podia ter um domingo de tranquilidade. Resolvi ler “A Peste”, de Camus, que era uma lacuna na minha biblioteca até agora e que é o livro do mês do meu grupo literário lá de Brasília. Foi só baixar o PDF e, pimba, o algoritmo me trouxe essa obra prima da contemporaneidade em forma de propaganda de um site de vendas. Outro dia mesmo, eu me achei radical demais na minha crítica sobre ser prisioneira de um iPhone , mas

A ESCRITA E O OVO

Por EDUARDO MUYLAERT  Algumas manhãs, quando acordo, sinto que meu cérebro está pronto a entrar em estado de composição, que me basta tocar a tecla compose, onde quer que ela se situe, para surgir a obra;  aí, procuro não me dispersar, apenas sentir o que a vida oferece. Dessa vez, meu corpo pedia um ovo quente, que exige não só concentração, como atenção, para não se tornar um desastre. Felizmente havia ovos na geladeira, o que é bom, mas não o ideal, pois é sempre melhor começar com um ovo que esteja na temperatura ambiente. Na minha família, o ovo quente era ao mesmo tempo uma celebração e um desafio. Um expert jamais deixa a gema completamente crua, e só os piores amadores servem um ovo cozido quando prometem um ovo quente. Meu avô era o grande especialista, tinha todos os ingredientes do grande criador, tempo a perder, uma certa sofisticação no seu modo de vida modesto, e alguma paciência, que só se revelava nessas horas. No meu caso, opto por soluções mais simples. Com

QUARENTENA, DIA 41

Por DANIELA MARTINS 25/4 - QUARENTENA, DIA 41. Ontem foi um dia longo. Depois da demissão do ministro da Justiça e do pronunciamento surrealista do presidente , ainda vimos Moro mandar para o Jornal Nacional prints de conversas suas com Bolsonaro e com a deputada e afilhada Carla Zambelli, que provariam que o presidente queria mesmo interferir na PF e que ele, Moro, não teria pedido o cargo no STF. É interessante acompanhar a elasticidade do entendimento de Moro sobre aceitar ou não conversas de WhatsApp como provas. Contra seus adversários, são válidas. Contra ele mesmo, como as reveladas pela série de reportagens da Vaza Jato, são inadmissíveis. E se Bolsonaro questionasse a veracidade do print, como fez Moro naquela ocasião? A nação acordou de ressaca e passou o dia acompanhando os posts dos eleitores arrependidos de Bolsonaro. Os lavajatistas ficaram furiosos com o presidente. Eu tive vontade de perguntar a cada um deles que poção mágica eles beberam para ter escutado cad

QUARENTENA, DIA 40

Por DANIELA MARTINS 24/4 - QUARENTENA, DIA 40. Depois de 40 dias, não sei se devo zerar o contador e recomeçar o que seria a segunda quarentena.  O ministro Sérgio Moro pediu demissão pela manhã e desceu a vara no presidente. Disse que Bolsonaro queria interferir politicamente na PF e que pediu relatórios das investigações em curso. Acusações graves.  Ansioso, o país aguardou até o fim da tarde pela resposta do presidente, que fez um pronunciamento surrealista, cercado por todo o seu ministério. Falou coisas desconexas sobre aquecimento de piscinas e Inmetro, proferiu palavrão e se colocou como vítima de uma PF que, no seu entendimento, não investigaria as calúnias levantadas contra ele e que teria dado mais importância à investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco do que à tentativa de assassinato que ele mesmo sofreu durante a campanha.  Ainda acusou o ex-ministro de ter condicionado a troca do diretor da PF à sua indicação para o STF.  Está aberta a g

UM DESPACHO DE MILÃO

Por EDUARDO MUYLAERT “Voleva lasciarlo e lui l'ha uccisa. Convivevano forzatamente per le restrizioni Covid. La donna trovata in casa. Uccisa da un colpo d'arma da fuoco. Nessuno dei due risultava contagiato” (Corrieri della Sera, 20 de Abril de 2020, 12h26) Chefe, chegou um despacho da agência Ansi, de Milão, bem agora na hora do almoço. O fato, em si, não tem nenhuma importância, mas pode dar matéria. Foi na Lombardia, numa cidadezinha. O cara matou a mulher que queria largar dele. Tiro de fuzil em pleno rosto, calibre 12. Estavam convivendo só por causa da pandemia. Crime passional sempre vende jornal. Mando bala? Ouçamos a sabedoria do grande mestre Roland Barthes, que sempre nos ilumina: “O assassinato político é pois, sempre, por definição, uma informação parcial; o fait divers, pelo contrário, é uma informação total, ou mais exatamente, imanente; ele contém em si todo seu saber: não é preciso conhecer nada do mundo para consumir um fait divers; ele não remete form

QUARENTENA DIA 39

Por DANIELA MARTINS 23/4 - QUARENTENA DIA 39. O Brasil registrou 407 mortes por Convid-19 nas últimas 24 horas. É um marco que indica que a pandemia pode estar perto de explodir no país, embora os negacionistas do governo teimem em dizer o contrário. Não é hora de relaxar a quarentena, os números mostram exatamente o contrário. Mesmo assim, assistimos ontem à cena inacreditável de pessoas se emocionando ao som de um saxofone na reabertura de um shopping center em Blumenau. O novo ministro da Saúde disse que pretende lançar um plano para reabrir tudo e, se der errado, ele recua. Haja saxofone pra tocar a marcha fúnebre nos enterros que virão. Triste demais. No meio desse cenário, o presidente, defensor da alegoria da “nova política”, negocia cargos com os partidos do chamado Centrão e decide trocar o comando da Polícia Federal, que investiga as ligações da sua própria família com as milícias e com a disseminação de fake news. Afrontado, o ministro da Justiça, Sérgio Moro,

SALVE, JORGE!

Por DANIELA MARTINS Em plena escalada da curva de infecções e mortes, os governantes defendem publicamente que a quarentena seja relaxada.  O argumento é que não se pode sacrificar a economia. Mas a discussão aqui é, na verdade, como achamos sensato gastar o dinheiro, o que é preciso fazer para encontrarmos os recursos, se admitimos ou não mudar as prioridades.  Socialmente, aceitamos que algumas vidas valem menos do que outras. Sempre convivemos com milhares de mortes por fome, abandono e miséria, por exemplo, mesmo sabendo que o Brasil está longe de ser um país pobre.  Gritamos contra programas de transferência de renda para os miseráveis, mas nunca saímos às ruas contra o auxílio-moradia dos juízes, que recebem o teto salarial máximo do funcionalismo público. Voltando ao coronavírus, temos 27.500 leitos de UTI na rede pública, utilizada por 163 milhões de brasileiros, e 27.600 na rede privada, acessíveis aos 47 milhões que podem pagar por um plano particular. 

QUARENTENA, DIA 38

Por DANIELA MARTINS 22/4 - QUARENTENA, DIA 38. A nuvem negra parou bem em cima da minha cabeça e desceu sua tempestade. Descobri que uma tela de iPhone, a depender do modelo, pode custar até 520 reais. A película de proteção, que não deixa quebrar, sai por 30. Por que será que as telas não são feitas do mesmo material das películas? Porque somos otários, confundimos cidadania com consumo, sentimos felicidade por possuir uma marca e só dormirmos tranquilos quando a mão invisível do mercado faz um cafuné gostoso nas nossas cabeças ocas. Sim, tô de ovo virado. Não pude passar a semana no Rio com o namorado porque ele teve sintomas que podem ser da Covid-19. Brandos, mas precisa fazer os 14 dias de isolamento, mesmo sem ter sido testado. É claro que eu estou triste, queria estar perto para ajudar, ou ao menos para fazer companhia e alegrar. Minha comadre, médica, testou positivo. Uma semana difícil no plano pessoal, digamos. Também não está nada fácil no coletivo. Mais 165 mo

QUARENTENA, DIA 37

Por DANIELA MARTINS 21/4 - QUARENTENA, DIA 37. Hoje, meu celular caiu no chão e a tela se espatifou em milhares de pedacinhos. Como é feriado, Dia de Tiradentes, ficou logo claro que eu não conseguiria consertar.  Aliás, descobri que ontem foi ponto facultativo em SP e achei lindo que a gente esteja  preservando os  hábitos culturais, como enforcar feriados, mesmo em quarentena.  No início do isolamento, fiz umas buscas na internet para conhecer melhor aquele aspirador de pó robô que anda sozinho pela casa. Desde então, os algoritmos têm me bombardeado com propagandas dos mais diversos produtos para limpeza. Esfregão com spray, rodo mágico, mop autolimpante, pastilha que dissolve gordura, apetrecho que suga os pelos presos nas roupas, cera milagrosa. Quero tudo, mas me custaria uns cinco mil reais.  Enquanto eu devaneio bobagens, os casos de infecção passam de 2,5 milhões pelo mundo.  Mas hoje também é dia de festa, Brasilia, a nossa capital, comemora seus 60 anos.  Sempr