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QUARENTENA, DIA 22

- Por DANIELA MARTINS

06/4- QUARENTENA, DIA 22. Dia de viagem pro Rio de Janeiro. Quando entrei no carro, me lembrei de uma pequena prece que ganhei de um rabino num trabalho antes do mundo parar.

Naquela ocasião, as palavras me pareceram totalmente anacrônicas: “...Salva-nos de ladrões e animais selvagens e de todas as calamidades que possam advir e afligir o mundo”. Tava jogada no fundo da minha bolsa desde então e me pareceu bastante atual hoje.

Estrada cheia, Serra das Araras bloqueada, pista em mão dupla, acidente feio na altura de Mesquita. Mas chegamos bem, eu e a minha garrafinha de álcool em gel.

Fui recebida pelo namorado com uma shakshuka deliciosa, um prato muito comum em Israel, que ele fez de surpresa bem no dia em que eu reencontrei a prece do rabino. Foi um daqueles momentos em que um ateu se lembra de que existem mais coisas entre o Céu e a Terra.

Enquanto eu viajava, “teve boatos de que o ministro Mandetta estava na pior” e de que seria demitido pelo presidente. Ele acabou ficando no cargo depois de um dia de tensão absolutamente desnecessária e ridícula. A única conclusão possível é de que o Brasil é um grande meme. Mas é um meme bem ruim.

O hospital de campanha montado no estádio do Pacaembu começa a funcionar em São Paulo. O primeiro ministro do Reino Unido, que estava infectado há uma semana, piorou e foi para a UTI. Os norte-americanos já têm mais de dez mil mortos.

É difícil não ter medo da pandemia unida à tempestade política que nos assolam aqui no Brasil.

“Amanhã vai ser outro dia”, me lembrou a canção no rádio do carro, feita para espantar outra praga enfrentada quando eu era criança. Cantei alto, foi a minha prece.

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