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QUARENTENA, DIA 38

Por DANIELA MARTINS

22/4 - QUARENTENA, DIA 38. A nuvem negra parou bem em cima da minha cabeça e desceu sua tempestade. Descobri que uma tela de iPhone, a depender do modelo, pode custar até 520 reais. A película de proteção, que não deixa quebrar, sai por 30.

Por que será que as telas não são feitas do mesmo material das películas? Porque somos otários, confundimos cidadania com consumo, sentimos felicidade por possuir uma marca e só dormirmos tranquilos quando a mão invisível do mercado faz um cafuné gostoso nas nossas cabeças ocas.

Sim, tô de ovo virado. Não pude passar a semana no Rio com o namorado porque ele teve sintomas que podem ser da Covid-19. Brandos, mas precisa fazer os 14 dias de isolamento, mesmo sem ter sido testado. É claro que eu estou triste, queria estar perto para ajudar, ou ao menos para fazer companhia e alegrar.

Minha comadre, médica, testou positivo. Uma semana difícil no plano pessoal, digamos.

Também não está nada fácil no coletivo. Mais 165 mortes em 24 horas, Manaus abrindo valas comuns nos cemitérios, médicos cariocas tendo que escolher quem vai para os respiradores, e o país acordando com um texto insano no ministro das Relações Exteriores, que resolveu fazer um alerta para o mundo: o coronavírus está despertando novamente o pesadelo comunista, agora disfarçado de globalismo.

"O vírus aparece, de fato, como imensa oportunidade para acelerar o projeto globalista. Este já se vinha executando por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do cientificismo. São instrumentos eficientes, mas a pandemia, colocando indivíduos e sociedades diante do pânico da morte iminente, representa a exponencialização de todos eles", escreveu Ernesto Araújo.

Isso posto, posso dizer que concordo filosoficamente com o vírus, apesar de condenar seu método funesto. Não fosse tudo isso mais uma sandice.

Quando eu voltava para casa com o celular já funcionando, respirando dentro da minha máscara e pensando na urgência de iniciar uma dieta a base de flores e trident de menta, dei de cara com o cartaz colado no poste: acarajé delivery. É a promessa de tempos mais lindos.

Axé!

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