Por EDUARDO MUYLAERT
Até que estava começando a gostar daquele viúvo. No começo, foi um misto de comiseração e vontade de ajudar. Sozinho com o filho pequeno, numa situação daquelas. Diziam que era um varão muito amoroso, cheio de atenções. A tragédia só fez aumentar a vaga simpatia por ele. Assim, sem mais nada, a esposa grávida despencara pela escada do sobrado em que viviam. Apesar do luto, havia o pequeno e a vida toda pela frente. Visivelmente não era bonito, mas me agradam as feições másculas e a aparente indiferença. À cicatriz do rosto agora vinham se juntar as vicissitudes do destino. Tinha que agir rápido, pois esses atributos são um verdadeiro chamariz para as donzelas casadoiras.
Logo vi que ele também estava interessado. No início foram pedidos de ajuda, sem maior significação. Coisas da casa ou da criança. Em retribuição, uma xícara de chá e um dedo de prosa.
Numa dessas visitas, um acontecimento insólito quebrou a rotina que já se instaurava. Eu aguardava na sala de estar, folheando uma revista. A criança já estava dormindo. Quando ele ia descer, um camundongo, visivelmente uma fêmea prenha, subiu a escada e cruzou à sua frente. Ele não se fez de rogado, desferiu vigoroso pontapé que a fez rolar escada abaixo e esborrachar-se na soleira da porta de entrada. Saí correndo pela porta da cozinha e nunca mais voltei.
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