Pular para o conteúdo principal

QUARENTENA, DIA 37

Por DANIELA MARTINS

21/4 - QUARENTENA, DIA 37. Hoje, meu celular caiu no chão e a tela se espatifou em milhares de pedacinhos. Como é feriado, Dia de Tiradentes, ficou logo claro que eu não conseguiria consertar. 

Aliás, descobri que ontem foi ponto facultativo em SP e achei lindo que a gente esteja  preservando os  hábitos culturais, como enforcar feriados, mesmo em quarentena. 

No início do isolamento, fiz umas buscas na internet para conhecer melhor aquele aspirador de pó robô que anda sozinho pela casa. Desde então, os algoritmos têm me bombardeado com propagandas dos mais diversos produtos para limpeza. Esfregão com spray, rodo mágico, mop autolimpante, pastilha que dissolve gordura, apetrecho que suga os pelos presos nas roupas, cera milagrosa. Quero tudo, mas me custaria uns cinco mil reais. 

Enquanto eu devaneio bobagens, os casos de infecção passam de 2,5 milhões pelo mundo. 

Mas hoje também é dia de festa, Brasilia, a nossa capital, comemora seus 60 anos. 

Sempre fui apaixonada pela ideia daquela cidade, pela história da sua construção e pelos seus prédios de estilo único, com cara de futuro do pretérito. 

Visitei o lugar pela primeira vez em 1995, ainda na faculdade de museologia, e tive uma certeza meio mística de que as nossas histórias ainda iriam se cruzar. Pois assim foi e, 15 anos mais tarde, eu me mudava com a família inteira para o Planalto Central. 

Não foi sempre fácil morar em Brasília, a cidade me desafiou em tantos sentidos que precisei me reinventar completamente. Mas foram anos incríveis, em que eu me emocionei cada uma das vezes que passei pela Praça dos Três Poderes. 

Viver em Brasília nos aproxima dos acontecimentos políticos, e eu sinto saudade disso. Mas não na fase atual. Fugi para São Paulo no meio do Governo Temer, porque aquilo já foi demais pra mim. 

Mas gosto que meus filhos tenham crescido lá e que tenham se autobatizado como novos candangos no olho d’água do Catetinho. Brasília sempre estará nos nossos corações. 

Dias melhores certamente virão para a cidade e para o país. Uma salva de palmas pras colunas do Alvorada, para as Superquadras e para o Lago Paranoá! 

Ilustração feita pela minha filha Ana Clara em 2015, quando ela tinha dez anos.
Quem quiser se apaixonar por Brasilia, assim como eu, pode ler “JK, o Artista do Impossível”, de Cláudio Bojunga, e assistir à série “Mil Dias: a Saga da Construção de Brasília”, do History Channel. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

NO TÚMULO DO POETA RENÉ CREVEL (edu)

Um poema em prosa de EDUARDO MUYLAERT Da minha casa na avenue de Chatillon que hoje é a avenue Jean Moulin eu podia ter ido a pé em pouco tempo ao descuidado cemitério de Montrouge Acabei nunca indo procurar — na quadra dezenove o túmulo discreto de uma família burguesa singelo granito rosa onde repousam serenos os restos do inquieto poeta René Crevel Se não dou certo em nada me mato — tinha dito leal, cumpriu a promessa — só mais tarde acabou reconhecido cultuado pranteado como poeta e escritor surrealista A vida teve cheia de intempéries tinha ainda catorze anos quando a mãe que só fazia blasfemar contra o cadáver o arrastou para ver o pai dependurado Sem ilusões. Fazia amor com homens e mulheres vivia com a cruel tuberculose — a peste branca e tinha amigos em diversos sanatórios além do peito, doíam muito os rins e a vida Tinha uma amante argentina, —   Condessa Cuevas de Vera a quem deixou a última mensagem — “Favor

QUARENTENA, DIA 62

Por DANIELA MARTINS 16/5 - QUARENTENA, DIA 62. Com quase 4.700 vidas perdidas, o estado de São Paulo superou a China em número de mortes por Covid-19. O Brasil perdeu hoje mais 816 cidadãos para o vírus. A melancolia do dia frio foi aplacada pela live que rolou num dos terraços do bairro, acompanhada e aplaudida pelos vizinhos. Eu e a Teca acordamos bem cedinho e tomamos café da manhã juntas. Os irmãos mais velhos aproveitaram para dormir até tarde, livres das videoaulas. Fiz arroz de carreteiro para o almoço, enquanto sonhava acordada com um piquenique num gramado qualquer. Fiquei com saudades dos nossos piqueniques deliciosos no Parque da Cidade, em Brasília, e no Jardim Botânico aqui de São Paulo, do meu famoso sanduíche de atum com pepino crocante, que nunca faltava. Parece tudo tão distante agora... Que bom que temos essas pequenas lembranças de dias em que fomos felizes sem nenhuma razão especial... Marcamos uma sessão de cinema na sala e eu preciso ajeitar tudo. Va

Anything else I can help you with, ma´am? – parte 3

  ETEL FROTA Em Auckland, passo por debaixo do wharenui , o enorme portal da casa comunitária de encontros māori, de onde ressoa um delicado canto feminino de boas-vindas. A viagem foi dura, mas estou na Nova Zelândia, onde tudo sempre dá certo. Cara a cara com a senhora da imigração, já cheguei me justificando. Sorry, tinha tido problemas no preenchimento da NZeTA, primeiro, e depois na NETD. Fui depositando no balcão o celular aberto no formulário parcialmente preenchido, o certificado de vacinação impresso, o PCR negativo, passaporte. Muito ansiosa, esbarro nas palavras em meu inglês enferrujado pelo confinamento. [Aliás, tenho percebido que enferrujadas estão minhas habilidades de comunicação, mas isto não é assunto para agora.] Com um sorriso protocolar, ela sequer olhou para meu calhamaço.   Tranquilamente, me estendeu uma folha de papel, um xerox mal ajambrado, onde eu deveria marcar um xis declarando estar vacinada e outro confirmando ter tido um PCR negativo até 48 horas