Pular para o conteúdo principal

QUARENTENA, DIA 25

Por DANIELA MARTINS

09/4 - QUARENTENA, DIA 25. Não sei se a cigana Yoranka previu a pandemia nas cartas e nos búzios. Os astrólogos já diziam que a grande conjunção entre Saturno, Júpiter e Plutão ia dar uma sacudida forte em 2020, mas ninguém se atreveu a pensar no cenário atual. Não que eu tenha visto, pelo menos.

Saí para comprar ovos de Páscoa pros meus filhos e foi bem estranho ver o mercado sem aquele monte de embalagens metálicas penduradas no teto. Nem deu pra escolher muito, eram três as opções disponíveis. Imagino que a produção das fábricas tenha sido interrompida, talvez. Como tudo mais.

Impossível não pensar em como é óbvio que aquela quantidade absurda de ovos de Páscoa era completamente desnecessária.

Por outro lado, aquele excesso de ovos e de qualquer outra coisa que costumávamos consumir sem pensar muito até o mês passado gera emprego e renda para milhares de trabalhadores. Estruturamos assim o nosso mundo “civilizado”.

A situação de confinamento é cansativa e o impedimento dos trabalhos cobra um preço bem alto, tanto financeiro quanto psicológico. Cada um de nós, dentro da sua realidade, está pensando em como vai virar este ano. Muitos estão pensando em como vão virar este mês, esta semana, porque nos acomodamos em uma sociedade profundamente desigual e perversa.

Alguns reclamam e são contra o recolhimento, mas as pesquisas mostram o apoio da maioria da população à quarentena, mesmo com as perdas financeiras. Mas é estressante, ainda que a gente tente elevar a mente, acalmar os ânimos, ser positivo, como nos ensinam os gurus.

Muita gente tem certeza de que a pandemia veio para transformar o mundo, para mudar a nossa maneira egoísta de pensar e agir. Tem filósofo pregando o nascimento de um novo comunismo, tem místico antevendo a nova era, tem religioso enxergando a redenção da humanidade.

Difícil saber se essas leituras têm algum fundamento. Infelizmente, não nasci com os dons da vidente Yoranka e nunca achei um Aleph no porão de casa pra me ajudar com essas questões de passado, presente e futuro.

Só sei que ninguém me contou que a tal da Era de Aquário podia entrar de sola dessa maneira. Pô, cadê os cabelos longos, as saias rodadas e os becks?!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Anything else I can help you with, ma´am? – parte 3

  ETEL FROTA Em Auckland, passo por debaixo do wharenui , o enorme portal da casa comunitária de encontros māori, de onde ressoa um delicado canto feminino de boas-vindas. A viagem foi dura, mas estou na Nova Zelândia, onde tudo sempre dá certo. Cara a cara com a senhora da imigração, já cheguei me justificando. Sorry, tinha tido problemas no preenchimento da NZeTA, primeiro, e depois na NETD. Fui depositando no balcão o celular aberto no formulário parcialmente preenchido, o certificado de vacinação impresso, o PCR negativo, passaporte. Muito ansiosa, esbarro nas palavras em meu inglês enferrujado pelo confinamento. [Aliás, tenho percebido que enferrujadas estão minhas habilidades de comunicação, mas isto não é assunto para agora.] Com um sorriso protocolar, ela sequer olhou para meu calhamaço.   Tranquilamente, me estendeu uma folha de papel, um xerox mal ajambrado, onde eu deveria marcar um xis declarando estar vacinada e outro confirmando ter tido um PCR negativo até 48 horas

NO TÚMULO DO POETA RENÉ CREVEL (edu)

Um poema em prosa de EDUARDO MUYLAERT Da minha casa na avenue de Chatillon que hoje é a avenue Jean Moulin eu podia ter ido a pé em pouco tempo ao descuidado cemitério de Montrouge Acabei nunca indo procurar — na quadra dezenove o túmulo discreto de uma família burguesa singelo granito rosa onde repousam serenos os restos do inquieto poeta René Crevel Se não dou certo em nada me mato — tinha dito leal, cumpriu a promessa — só mais tarde acabou reconhecido cultuado pranteado como poeta e escritor surrealista A vida teve cheia de intempéries tinha ainda catorze anos quando a mãe que só fazia blasfemar contra o cadáver o arrastou para ver o pai dependurado Sem ilusões. Fazia amor com homens e mulheres vivia com a cruel tuberculose — a peste branca e tinha amigos em diversos sanatórios além do peito, doíam muito os rins e a vida Tinha uma amante argentina, —   Condessa Cuevas de Vera a quem deixou a última mensagem — “Favor

QUARENTENA, DIA 62

Por DANIELA MARTINS 16/5 - QUARENTENA, DIA 62. Com quase 4.700 vidas perdidas, o estado de São Paulo superou a China em número de mortes por Covid-19. O Brasil perdeu hoje mais 816 cidadãos para o vírus. A melancolia do dia frio foi aplacada pela live que rolou num dos terraços do bairro, acompanhada e aplaudida pelos vizinhos. Eu e a Teca acordamos bem cedinho e tomamos café da manhã juntas. Os irmãos mais velhos aproveitaram para dormir até tarde, livres das videoaulas. Fiz arroz de carreteiro para o almoço, enquanto sonhava acordada com um piquenique num gramado qualquer. Fiquei com saudades dos nossos piqueniques deliciosos no Parque da Cidade, em Brasília, e no Jardim Botânico aqui de São Paulo, do meu famoso sanduíche de atum com pepino crocante, que nunca faltava. Parece tudo tão distante agora... Que bom que temos essas pequenas lembranças de dias em que fomos felizes sem nenhuma razão especial... Marcamos uma sessão de cinema na sala e eu preciso ajeitar tudo. Va