Por - EDUARDO MUYLAERT
Eu precisava encontrar aquelas fotografias. A vida não tem importância, mas a fotografia tem. Faz muito tempo, digamos 40 anos, acho que agora já são 50. Sabia que estavam numa caixa, sempre fui organizado. Quando o que procuro não aparece, a sensação é de que tudo está perdido, que um pedaço de vida se foi. As memórias são tênues, as imagens as reconstroem. As cartas se foram, que burrada. As que escrevi, história de todo aquele período, me foram carinhosamente devolvidas. Mas as coisas tinham mudando, o amor se tornara amargo, e os escritos foram raivosamente rasgados, jogados fora. Certas coisas são irreversíveis, o arrependimento é inútil. Claro, sobraram as cartas que recebi, e são muitas, de várias pessoas, múltiplos pontos de vista. Pronto, achei o envelope. Dentro, negativos e contatos em inocente promiscuidade. Não, não perdi as minhas imagens. Durante muito tempo não quis olhar para elas, a chamada fase da negação. Depois, vem uma espécie de esquecimento. Hoje reabro a caixa de surpresas e me encontro, reconstruo esse outro tempo. Há três imagens ampliadas, experiência recente, primeira aproximação. Destaco uma delas, a vista da minha janela. Faz frio, há neve lá fora. Numa pausa dos estudos chego à janela. O aquecedor a gás mantém a sala medianamente aquecida. Atrás do prédio há uma alameda de ateliês, onde moram e trabalham artistas que não conheço e nunca vejo. Como eu, exercem seu ofício. Pronto, lá me vejo outra vez. A vida passa, o passado fica, ao menos na fotografia. Mas ainda vai virar livro.
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