Por DANIELA MARTINS
Hoje foi dia de limpeza aqui em casa. O apartamento é
grande e, além de mim, moram aqui três adolescentes e dois gatos peludos. Não
tem como disfarçar, fica bem sujo mesmo.
Eu tenho uma funcionária que me ajuda demais, mas que está
em quarentena, obviamente, como todo mundo deveria estar neste momento. A sorte
é que eu sei fazer bem os serviços domésticos e confesso que até gosto muito de
cozinhar, limpar, lavar e arrumar. Mas, seja solta na vida ou confinada,
detesto passar roupas.
Muita gente está em apuros neste momento, vivendo na poeira,
manchando as camisas e comendo miojo, descobrindo que simplesmente não sabe como
cuidar da própria casa e da própria alimentação.
A gente ri dos posts das dondocas enaltecendo a si mesmas por
estarem fazendo faxina pela primeira vez, por conta da quarentena, mas a verdade é que a
situação acabou por desvelar um tema crítico na sociedade brasileira. Não
sabemos fazer os serviços mais básicos de uma casa porque temos quem faça. Sempre
tivemos.
Faz pouquíssimo tempo que o trabalho doméstico foi
regulamentado no país pela Lei Complementar 150, de junho de 2015. Só então, as empregadas passaram a ter direito ao FGTS, adicional noturno e
seguro-desemprego, por exemplo. Na época, houve muita gritaria contra a
instituição desses direitos básicos que, na prática, acrescentaram muito pouco
ao desembolso dos patrões.
No Brasil, a renda média das domésticas, de acordo com dados do IBGE, é de R$ 931,00 por mês. Temos um exército composto quase totalmente por mulheres - 93%, segundo o Instituto Doméstica Legal - que passou de seis milhões de
funcionárias em 2019. As atividades domésticas ainda são amplamente entendidas no país como "coisa de mulher".
Antes da regulamentação, muitas delas costumavam
chegar nas residências que as empregavam antes do café da manhã e só iam embora
depois de servir o jantar. Várias dormiam no emprego, sem receber nada mais por
isso.
O escopo do serviço é outra coisa que nunca foi muito clara. Espera-se que a mesma pessoa saiba cozinhar, lavar, passar, limpar, olhar as crianças e até mesmo
fazer pequenos reparos nas roupas.
Em resumo, queremos todos os serviços oferecidos por um resort, pagando por um Airbnb. Ou por um camping, para a analogia ser mais exata. A verdade é que o brasileiro se
acostumou a ser servido e exige que o serviço seja de ponta, mas quer pagar bem
pouco por ele.
Sabemos que os motivos desse quadro são inúmeros e
históricos. As heranças de uma sociedade escravocrata, patriarcal e machista, a
desigualdade social extrema, a concentração de renda e a falta de acesso ao
estudo são alguns deles.
Agora, que bateu aquela saudade da diarista durante o
confinamento, talvez a gente finalmente entenda o valor do trabalho que ela
desempenha. Quando voltar, o certo seria pagarmos o dobro pelo serviço que ela
presta. Pelo menos.
Se a crise do coronavírus deixou todo mundo em situação financeira difícil e não vai ser possível pagar neste momento o que ela merece,
existem outras formas de reconhecer e de valorizar a pessoa que nos ajuda com
as tarefas domésticas.
Se ela mora longe, que tal combinar um horário de chegada
depois do rush matinal e a saída antes do caos das 18 horas? Ela vai
adorar não precisar acordar às quatro da madrugada e ficar duas horas no
trânsito engarrafado.
Se ela mora perto do metrô, aí está uma mudança incrível na qualidade
de vida. A passagem é um pouco mais cara, mas a economia de tempo na hora de
voltar para casa vai fazer toda a diferença.
Essas mulheres têm famílias para
cuidar e a maioria delas ainda vai fazer em casa todo o serviço que acabou de
fazer nas nossas.
É muito importante não fazer cara feia ou dar chilique
quando ela precisar de um dia livre para ir à reunião da escola do filho ou a
uma consulta marcada há meses pelo SUS, até porque, neste caso, ela volta para
o fim da fila se não puder comparecer.
Se ela acabou o serviço combinado, por que tem ficar na casa
até completar oito horas de jornada? Cá pra nós, sabemos que ninguém precisa
ficar oito horas em trabalho nenhum, que isso não garante rendimento melhor e
que só nos priva de fazer outras coisas importantes na vida. Trabalhamos para
viver ou vivemos para trabalhar? Se reivindicamos isso como empregados, devemos
começar a implantar a mudança quando somos empregadores.
Enfim, já passa da hora de tratarmos com dignidade as
funcionárias domésticas. Pagar bem, tratar bem, respeitar e, principalmente,
garantir seus direitos trabalhistas.
Muitas mulheres que trabalham como domésticas sustentam suas famílias sozinhas. São pessoas fortes e dignas, que se veem sem outras
opções de trabalho por falta de formação adequada. Podemos ajudar nossas
funcionárias a encontrar cursos de formação em outras áreas e flexibilizar os
horários de trabalho para que elas possam se capacitar.
Temos muito a aprender com elas também. Tudo isso que
estamos descobrindo não saber em quarentena, por exemplo. Quando a sua diarista
voltar, dê um abraço apertado e peça que ela te ensine a fazer um feijão, uma
carne assada, a usar alvejante sem destruir as roupas. E compreenda quando ela rir da sua cara por você não saber fazer nada disso até hoje. É o básico.
Torço para que, um dia, o serviço doméstico passe a ser uma
questão de escolha, não de necessidade, tanto para as empregadas quanto para os empregadores, e que custe caro no Brasil, como já acontece em tantos outros países.
Sei que isso só vai ser realidade quando os filhos e netos dessas mulheres
puderem ter pleno acesso ao ensino básico, técnico e superior. É um processo lento, mas vamos chegar lá.
Enquanto isso não
acontece, a quarentena está aí para nos revelar que o braço não cai se passarmos
o aspirador na casa.
Foto: Brit.C
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