Por DANIELA MARTINS
Em plena escalada da curva de infecções e mortes, os governantes defendem publicamente que a quarentena seja relaxada.
O argumento é que não se pode sacrificar a economia. Mas a discussão aqui é, na verdade, como achamos sensato gastar o dinheiro, o que é preciso fazer para encontrarmos os recursos, se admitimos ou não mudar as prioridades.
Socialmente, aceitamos que algumas vidas valem menos do que outras. Sempre convivemos com milhares de mortes por fome, abandono e miséria, por exemplo, mesmo sabendo que o Brasil está longe de ser um país pobre.
Gritamos contra programas de transferência de renda para os miseráveis, mas nunca saímos às ruas contra o auxílio-moradia dos juízes, que recebem o teto salarial máximo do funcionalismo público.
Voltando ao coronavírus, temos 27.500 leitos de UTI na rede pública, utilizada por 163 milhões de brasileiros, e 27.600 na rede privada, acessíveis aos 47 milhões que podem pagar por um plano particular.
Então, quando o novo ministro da Saúde diz que vai reabrir tudo e que voltará atrás caso dê errado, é fácil imaginar quem levará a pior quando o número de infecções disparar.
O general Ramos, ministro da Secretaria de Governo, não está gostando de ver tantas imagens de caixões, mortos e enterros, e pediu que a imprensa faça uma cobertura mais positiva da pandemia.
É muita cara de pau, são quase três mil mortes no país de acordo com os números oficiais. Mas sabemos que os militares brasileiros têm vasta experiência em maquiar os fatos e esconder os mortos.
Hoje é dia de São Jorge, santo que tem muitos adeptos no catolicismo, na umbanda e no candomblé, queridíssimo dos cariocas. Gosto da simbologia dele tanto quanto gosto de São Francisco. São personagens repletos de humanidade, que apresentam duas formas distintas de lutarmos contra nossos medos e angústias, de tentarmos ser pessoas melhores, mais corajosas e fortes.
Diz a bela oração ao santo: “Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés, não me alcancem; tendo mãos, não me peguem; tendo olhos, não me vejam; e nem em pensamentos eles possam me fazer algum mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrarão sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentarão sem o meu corpo amarrar”.
Hoje, o inimigo não tem pés e mãos e não usa armas. Lutamos uma guerra que será vencida dentro de casa, por cada um de nós, se entendermos que o distanciamento social é nossa responsabilidade coletiva. E dentro dos laboratórios e hospitais, se confiarmos na nossa capacidade de superação e na ciência, que nós mesmos sistematizamos e desenvolvemos, porque somos maravilhosos quando nos permitimos transcender e ir além dos nossos medos e ódios.
Venceremos se entendermos que não pode haver nenhum valor maior do que a vida e que qualquer debate político ou econômico só será válido se partir dessa premissa.
Depois que finalmente aceitarmos isso, ainda teremos o desafio de ampliar esse entendimento para todas as outras formas de vida além da nossa, de respeitar o planeta e a natureza. Difícil saber se isso será possível algum dia, mas é preciso haver alguma utopia no horizonte.
Dizem que São Jorge confere coragem e fecha o corpo de seus devotos contra qualquer ação dos inimigos. Pois que ele nos ajude agora a também manter fechadas as bocas dos generais e governantes que pregam mentiras e covardias, que colocam agendas econômicas e políticas acima das nossas vidas. Já seria um verdadeiro milagre.
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