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QUARENTENA, DIA 24

Por DANIELA MARTINS

08/4 - QUARENTENA, DIA 24. O dia amanheceu cinzento e chuvoso, do jeito que o carioca detesta. Mas acho que, desta vez, a chuva caiu muito bem. Fiquei imaginando os pingos lavando os muros, os bancos de praça, os portões dos prédios, as calçadas. Foi de alguma forma reconfortante pensar nisso.

Fizemos medalhões de filé e brócolis ao alho e óleo para o almoço.

Morreram quase duas mil pessoas em 24 horas nos Estados Unidos. Por aqui, foram 133 mortos em um dia, 800 no total até agora. É angustiante acompanhar o crescimento dos números. 

Falei com a minha comadre por facetime e colocamos em dia aqueles meses todos de conversas que sempre ficam atrasadas na correria dos dias. Pois agora não há mais correria, é tempo de reconectar as conversas e os afetos. 

Um apresentador de tv chamado Marcão do Povo sugeriu que o governo criasse campos de concentração para isolar os infectados. Foi suspenso pela emissora. Deveria ter sido demitido. O nível indizivelmente baixo a que se pode chegar... 

Depois de vários dias sem exercícios, decidimos fazer uma caminhada pela orla no fim da tarde. O mar ressacado mostrava uma cara um tanto soturna, condizente com o peso destes dias de incertezas. 

Um grupo de garis trabalhava recolhendo a sujeira espalhada pela ressaca. Quando voltamos do Arpoador, os trabalhadores estavam indo embora apinhados dentro de um carrinho puxado por um pequeno trator.

Ninguém respeitava as distâncias impostas pelo isolamento social, ninguém usava máscaras, luvas ou qualquer outro equipamento de proteção.

Alô, Crivella, estão rolando protocolos de medidas sanitárias diferentes para os moradores da Zona Sul e para os trabalhadores da limpeza urbana?! 

Rio, a cidade eternamente partida. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. 

O presidente fará um pronunciamento à nação. É uma pena que a gravidade do momento não nos permita simplesmente ignorar o que essa criatura tosca tem a dizer. 

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