Pular para o conteúdo principal

QUARENTENA, DIA 29

Por DANIELA MARTINS

13/4 - QUARENTENA, DIA 29. Acordei com a notícia da morte do Moraes Moreira. Fiz almoço, arrumei a casa, li um pouco. Mas é claro que a trilha sonora dentro da cabeça só podia ser “Acabou Chorare”. 

Com as músicas, vieram também as lembranças. Um camping em Visconde de Mauá, em 92, chuva forte por dias seguidos, todo mundo preso nas barracas. Alguém teve a ideia de gritar o palavrão mais feio que conhecia. Cada barraca gritou o seu, num eco escabroso e hilário. 

E todas as barracas cantaram o refrão de “Preta, Pretinha” com a clássica alteração da letra feita pelos frequentadores daquele lugar encantado: “Ai, ai, saudade /saudade de Mauá / ai, ai saudade / Maromba e Maringá”. 

Saudade é foda, vem de enxurrada mesmo. Aqueles amigos, aquelas descobertas todas, aquela loucura toda, aqueles tempos que a gente achava que jamais terminariam. 

Moraes me levou de volta pro boteco do final da praça da Maromba, de maiô laranja, cabelos cacheados, antes dos meus 18 anos. 

E também de volta para Brasília, vinte anos mais tarde, nas manhãs em que eu ia levar meus três pequenos para a escola e colocava os Novos Baianos no carro, às sete da manhã. Íamos cantando, aos berros, “Abre a porta e a janela e vem ver o sol nascer”, começando o dia como tem que ser. 

É isso por hoje, tô perdida nas lembranças. 

Aos 18, aos 38 ou aos 45 - e até na quarentena - a menina ainda dança.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Anything else I can help you with, ma´am? – parte 3

  ETEL FROTA Em Auckland, passo por debaixo do wharenui , o enorme portal da casa comunitária de encontros māori, de onde ressoa um delicado canto feminino de boas-vindas. A viagem foi dura, mas estou na Nova Zelândia, onde tudo sempre dá certo. Cara a cara com a senhora da imigração, já cheguei me justificando. Sorry, tinha tido problemas no preenchimento da NZeTA, primeiro, e depois na NETD. Fui depositando no balcão o celular aberto no formulário parcialmente preenchido, o certificado de vacinação impresso, o PCR negativo, passaporte. Muito ansiosa, esbarro nas palavras em meu inglês enferrujado pelo confinamento. [Aliás, tenho percebido que enferrujadas estão minhas habilidades de comunicação, mas isto não é assunto para agora.] Com um sorriso protocolar, ela sequer olhou para meu calhamaço.   Tranquilamente, me estendeu uma folha de papel, um xerox mal ajambrado, onde eu deveria marcar um xis declarando estar vacinada e outro confirmando ter tido um PCR negativo até 48 horas

NO TÚMULO DO POETA RENÉ CREVEL (edu)

Um poema em prosa de EDUARDO MUYLAERT Da minha casa na avenue de Chatillon que hoje é a avenue Jean Moulin eu podia ter ido a pé em pouco tempo ao descuidado cemitério de Montrouge Acabei nunca indo procurar — na quadra dezenove o túmulo discreto de uma família burguesa singelo granito rosa onde repousam serenos os restos do inquieto poeta René Crevel Se não dou certo em nada me mato — tinha dito leal, cumpriu a promessa — só mais tarde acabou reconhecido cultuado pranteado como poeta e escritor surrealista A vida teve cheia de intempéries tinha ainda catorze anos quando a mãe que só fazia blasfemar contra o cadáver o arrastou para ver o pai dependurado Sem ilusões. Fazia amor com homens e mulheres vivia com a cruel tuberculose — a peste branca e tinha amigos em diversos sanatórios além do peito, doíam muito os rins e a vida Tinha uma amante argentina, —   Condessa Cuevas de Vera a quem deixou a última mensagem — “Favor

QUARENTENA, DIA 62

Por DANIELA MARTINS 16/5 - QUARENTENA, DIA 62. Com quase 4.700 vidas perdidas, o estado de São Paulo superou a China em número de mortes por Covid-19. O Brasil perdeu hoje mais 816 cidadãos para o vírus. A melancolia do dia frio foi aplacada pela live que rolou num dos terraços do bairro, acompanhada e aplaudida pelos vizinhos. Eu e a Teca acordamos bem cedinho e tomamos café da manhã juntas. Os irmãos mais velhos aproveitaram para dormir até tarde, livres das videoaulas. Fiz arroz de carreteiro para o almoço, enquanto sonhava acordada com um piquenique num gramado qualquer. Fiquei com saudades dos nossos piqueniques deliciosos no Parque da Cidade, em Brasília, e no Jardim Botânico aqui de São Paulo, do meu famoso sanduíche de atum com pepino crocante, que nunca faltava. Parece tudo tão distante agora... Que bom que temos essas pequenas lembranças de dias em que fomos felizes sem nenhuma razão especial... Marcamos uma sessão de cinema na sala e eu preciso ajeitar tudo. Va