Pular para o conteúdo principal

QUARENTENA, DIA 32

Por DANIELA MARTINS

16/4 - QUARENTENA, DIA 32. O presidente demitiu o ministro da Saúde em plena pandemia. Não aguentou ver alguém se sobressair a ele e, pior, contestar publicamente seus atos e palavras inconsequentes.

Não que o ministro tivesse credenciais maravilhosas, vale lembrar que sua plataforma política nunca foi a de defesa do SUS, mas dos planos de saúde privados. Não tem santo nenhum aqui, até porque ele fazia parte do Governo Bolsonaro, e isso já depõe contra qualquer um.

Mas veio a crise e o ministro se colocou como uma luz minimamente sensata, sem embarcar na canoa cloroquinista e no tal isolamento vertical, que todo mundo sabe que é furadíssimo no atual estágio da curva de contaminação do país.

Só isso aí já torna o cara um baluarte da ciência nesta nova Idade Média que atravessamos. Tipo um monge que ao menos sabe ler.

Eu fiquei pasma mesmo foi ao saber que alguém havia aceitado assumir o cargo e entrar neste governo a esta altura dos fatos. Mas a real é que sempre tem gente pronta pra participar do poder, ainda que em plena vigência da necropolítica.

Pois os dois, presidente e novo ministro, falaram à população um nada retumbante na tarde de hoje.

O presidente não tem nenhuma proposta concreta e séria, só sabe dizer que a economia vai desmoronar e que os governadores, que decretaram quarentenas obviamente necessárias, serão os responsáveis.

O grande líder que joga a culpa pros outros, que tem ciúme da popularidade do próprio ministro e medo de ser contestado em seu autoritarismo burro. Divã nele, caso algum psicanalista tenha estômago pra ouvir aquela voz.

O novo escolhido para comandar a Saúde é um médico que tentou afinar seu discurso ao do chefe, mas só pode dizer que vai programar uma saída gradual, mas que o isolamento horizontal é necessário neste momento e que não haverá mudança brusca nesse sentido.

Foram 188 mortos hoje e o sistema hospitalar vai chegando perto da saturação, o Ceará tem todos os leitos de UTI ocupados.

Minhas filhas desceram e correram mascaradas na calçada vazia. A vontade de ganhar o mundo!

Já o moleque, está quarentenado num servidor de Minecraft há uns dois anos mais ou menos. E não sei se tá perdendo muita coisa aqui de fora, infelizmente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

NO TÚMULO DO POETA RENÉ CREVEL (edu)

Um poema em prosa de EDUARDO MUYLAERT Da minha casa na avenue de Chatillon que hoje é a avenue Jean Moulin eu podia ter ido a pé em pouco tempo ao descuidado cemitério de Montrouge Acabei nunca indo procurar — na quadra dezenove o túmulo discreto de uma família burguesa singelo granito rosa onde repousam serenos os restos do inquieto poeta René Crevel Se não dou certo em nada me mato — tinha dito leal, cumpriu a promessa — só mais tarde acabou reconhecido cultuado pranteado como poeta e escritor surrealista A vida teve cheia de intempéries tinha ainda catorze anos quando a mãe que só fazia blasfemar contra o cadáver o arrastou para ver o pai dependurado Sem ilusões. Fazia amor com homens e mulheres vivia com a cruel tuberculose — a peste branca e tinha amigos em diversos sanatórios além do peito, doíam muito os rins e a vida Tinha uma amante argentina, —   Condessa Cuevas de Vera a quem deixou a última mensagem — “Favor

QUARENTENA, DIA 62

Por DANIELA MARTINS 16/5 - QUARENTENA, DIA 62. Com quase 4.700 vidas perdidas, o estado de São Paulo superou a China em número de mortes por Covid-19. O Brasil perdeu hoje mais 816 cidadãos para o vírus. A melancolia do dia frio foi aplacada pela live que rolou num dos terraços do bairro, acompanhada e aplaudida pelos vizinhos. Eu e a Teca acordamos bem cedinho e tomamos café da manhã juntas. Os irmãos mais velhos aproveitaram para dormir até tarde, livres das videoaulas. Fiz arroz de carreteiro para o almoço, enquanto sonhava acordada com um piquenique num gramado qualquer. Fiquei com saudades dos nossos piqueniques deliciosos no Parque da Cidade, em Brasília, e no Jardim Botânico aqui de São Paulo, do meu famoso sanduíche de atum com pepino crocante, que nunca faltava. Parece tudo tão distante agora... Que bom que temos essas pequenas lembranças de dias em que fomos felizes sem nenhuma razão especial... Marcamos uma sessão de cinema na sala e eu preciso ajeitar tudo. Va

Anything else I can help you with, ma´am? – parte 3

  ETEL FROTA Em Auckland, passo por debaixo do wharenui , o enorme portal da casa comunitária de encontros māori, de onde ressoa um delicado canto feminino de boas-vindas. A viagem foi dura, mas estou na Nova Zelândia, onde tudo sempre dá certo. Cara a cara com a senhora da imigração, já cheguei me justificando. Sorry, tinha tido problemas no preenchimento da NZeTA, primeiro, e depois na NETD. Fui depositando no balcão o celular aberto no formulário parcialmente preenchido, o certificado de vacinação impresso, o PCR negativo, passaporte. Muito ansiosa, esbarro nas palavras em meu inglês enferrujado pelo confinamento. [Aliás, tenho percebido que enferrujadas estão minhas habilidades de comunicação, mas isto não é assunto para agora.] Com um sorriso protocolar, ela sequer olhou para meu calhamaço.   Tranquilamente, me estendeu uma folha de papel, um xerox mal ajambrado, onde eu deveria marcar um xis declarando estar vacinada e outro confirmando ter tido um PCR negativo até 48 horas