Pular para o conteúdo principal

ODEIO MAFAGAFOS




 Por - EDUARDO MUYLAERT

Odeio mafagafos. Curiosidade não me falta, mas não achei o vocábulo nos dicionários. O mais próximo que encontrei foi mafamede, algo que tem a ver com o islamismo e que, se não me ajuda em nada, comprova minha diligência. Apesar dessa lacuna notável, sobram mafagafos. José Cândido de Carvalho escreveu Um ninho de mafagafes cheio de mafagafinhos, que situa entre seus contados, astuciados, sucedidos e acontecidos do povinho do Brasil (José Olympio, 1974). A. história não mereceu a mesma sorte que Lulu Bergantim não atravessou o Rubiconeste é que foi consagrado por Italo Moriconi como um dos Cem melhores contos brasileiros do século (Objetiva 2000, pág. 362). Em obra dirigida a crianças, Rosana Rios atesta que o que não tem na família de ninguém é mafagafo (Ninho de Mafagafos, Saraiva, 2001). Não chega a me tranquilizar. Em algumas interpretações, mafagafos seriam criaturas malignas associadas a histórias infantis. Em outras, trata-se de mero trava-língua popular: Havia um ninho de mafagafes cheio de mafagafinhos. Bom desmafagador será quem bem os desmafagar. (Repetir sete vezes sem errar e o rei dará a filha a casar). Para mim, as duas coisas, a saber, o espírito maligno e o trava-língua, são indissociáveis. Quantas vezes tive de me submeter ao rito cruel de repetir mafagafos e mafagafinhos em seu maldito ninho? Um caridoso time de fonoaudiólogas escreveu Muito Além do Ninho de Mafagafos. São exercícios menos imbecis, evitando perguntas insuportáveis do tipo “Mas afinal o que é um mafagafo?” ou “O que é desmafagafizar?”, ou ainda, “Quem é um bom desmafagafizador?”. Mas o título incorre no mesmo pecado, ao tentar proveito dos malfadados mafagafos. A cada vez que tropeço na leitura de uma dessas palavras daninhas lembro da voz de contralto de um antigo colega de escola, meio cretino, repetindo essas baboseiras por puro prazer. O maldito acertava sempre.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Posse da Vida

                      No banco do meio na fileira à minha frente, um moço lê um livro. Do outro lado do corredor, outro moço e outro livro. Não estou no metrô de Londres. No universo de um voo doméstico brasileiro, em uma manhã de quinta-feira, essa incidência de leitores me chama a atenção. Eu mesma leio, com o laptop aberto. Talvez eu esteja simplesmente procurando significados e comparsas para a sensação de bem-estar deste momento.               Apuro a visão para tentar enxergar algo do livro do moço da frente. Do outro lado do corredor, o outro moço apoiou o dele na mesinha, sublinha trechos com um lápis e de vez em quando para de ler e parece refletir.               Daqui a 72 horas, Lula estará subindo a rampa do Planalto. Voamos rumo a Brasília. Da minha parte, sem medo de ser feli...

Anything else I can help you with, ma´am? – parte 3

  ETEL FROTA Em Auckland, passo por debaixo do wharenui , o enorme portal da casa comunitária de encontros māori, de onde ressoa um delicado canto feminino de boas-vindas. A viagem foi dura, mas estou na Nova Zelândia, onde tudo sempre dá certo. Cara a cara com a senhora da imigração, já cheguei me justificando. Sorry, tinha tido problemas no preenchimento da NZeTA, primeiro, e depois na NETD. Fui depositando no balcão o celular aberto no formulário parcialmente preenchido, o certificado de vacinação impresso, o PCR negativo, passaporte. Muito ansiosa, esbarro nas palavras em meu inglês enferrujado pelo confinamento. [Aliás, tenho percebido que enferrujadas estão minhas habilidades de comunicação, mas isto não é assunto para agora.] Com um sorriso protocolar, ela sequer olhou para meu calhamaço.   Tranquilamente, me estendeu uma folha de papel, um xerox mal ajambrado, onde eu deveria marcar um xis declarando estar vacinada e outro confirmando ter tido um PCR negativo até ...