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COURO INGLÊS





EDUARDO MUYLAERT

Jorge Antônio não conseguia tirar o olho.  Aquela pasta o tirava do sério. Não podia ser jacaré. A pele na certa era falsa, apesar da provocante textura. Se fosse cascavel, ele não ia perder a piada.

Dona Vera segurava a bolsa com aparente displicência, mas se deliciava com os olhares de inveja. Jorge A, como gosta de ser chamado, imaginou que poderia ser couro inglês, daqueles sedosos, com aroma de velho mundo, que dão vontade de passar a mão e levar para casa.

 O tamanho da pasta é perfeito, comporta laptop, iPad, um caderno, o jornal, a agenda, as canetinhas, o perfume, o lenço, a aspirina, as chaves, e até o kit de maquiagem. Sim, Dona Vera não dispensa as canetinhas de grife e nem a maquiagem impecável. Ninguém tinha uma bolsa assim naquela firma.

Ela se acha o quê? O diretor aqui sou eu. Eu sei que pelas costas ela me chama de George B, mas não consegui uma prova cabal. Ela é que devia ser chamada de Vera B, pode completar o B com o substantivo ou adjetivo que quiser e vai acertar.

Pode usar a bolsa que for, Dona Vera, a senhora nunca vai sair do nível de gerente. Isso se não for mandada embora, com sua pasta e tudo. O RH fica sempre do lado do diretor, e couro inglês aqui não garante o futuro de ninguém.

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