- Por DANIELA MARTINS
O coronavírus chegou e todo mundo se trancou em casa. Por
aqui somos eu, três filhos adolescentes e dois gatos. Os dias foram passando enquanto
tentávamos acessar o site congestionado da escola para acompanhar as videoaulas
e nos empanturrávamos de comida, porque quarentena dá uma fome louca.
A quinta-feira foi chegando e com ela uma dúvida: devo
mandar as crianças para a casa do pai na semana que vem? E se lá não estiver
tudo neuroticamente desinfetado com álcool? Numa hora de medo, vou ficar longe dos meus filhos e eles vão dividir
seus dias com a madrasta? Isso seria justo com ela? Pirei, é claro, mas sei que
não estou sozinha no surto.
Estou longe de ser a única a viver a realidade das novas famílias
ampliadas, aquelas que apresentam configurações diferentes de pai, mãe e filhos
vivendo sob o mesmo teto. Hoje, de acordo com o IBGE, 50,1% das famílias
brasileiras agregam madrastas, padrastos, irmãos e avós emprestados, pais
divorciados, mães ou pais solteiros, netos com avós e casais homoafetivos com
filhos adotados ou gerados por reprodução assistida. São novas formas de
convivência que trazem com elas muitos desafios e até mesmo alguns preconceitos, com os quais precisamos aprender a lidar. Em situações de estresse, tudo isso
aparece com mais força.
A atual mulher do meu ex-marido tem um filho ainda criança e
um cachorro. Eles vivem em um bairro longe do meu. Meu namorado mora no Rio de
Janeiro e eu em São Paulo. Ele tem uma filha adulta e dois filhos pequenos. Os menores estão
morando em outro país, acompanhando a mãe. É muita gente, é uma
família ampliada. Todo mundo precisa tentar se entender e também
precisa tentar se proteger.
Ficar junto sem poder sair de casa é complicado. Ficar longe
– em outro bairro, outra cidade, outro país! – gera angústia e medo. As
discussões sobre o que fazer explodem e todo mundo fica tenso. Não se mete nas
regras da minha casa! Você acha que vai dormir o dia inteiro porque estamos de
quarentena? Vamos ajudar com a arrumação, que isso aqui não é hotel. Vou ligar
para a sua mãe se você não fizer as lições da escola. Não é porque estou longe que você não precisa me obedecer!
Felizes mesmo estão os gatos, que finalmente passaram a ter
a companhia integral de seus humanos de estimação, como sempre sonharam.
Penso que precisamos nos afinar com urgência, enquanto ainda
podemos pegar o carro e atravessar a cidade para fazer a troca de casa das
crianças. Até quando? E se for necessário ficarmos em isolamento total? E se
alguns de nós só pudermos falar com nossos filhos pelo celular durante algum
tempo?
Precisaremos confiar uns nos outros, respeitar uns aos
outros e agir realmente como uma grande família. Não vai haver outro caminho.
Belo texto! Não está mesmo fácil lidar com tantas angústias - mas começar com este desejo de equilíbrio e respeito é a melhor coisa. Medo dessas madrastas, padrastos e agregados que já querem - e declaram - amar nossos kids na 1ª semana que os conhecem. E imagino como será fácil ver milhões de madrastas olhando torto para enteados duplamente contaminados (a 1ª contaminação foi com o DNA da mãe) entrando em suas casas.
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