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GULODICE (Edu)





 

por — Eduardo Muylaert     
Fui traído pela memória e pela minha geladeira. Deixei sob sua zelosa guarda um precioso potinho de ovas de esturjão. Louco por uma segunda vez, abri o pote e dei de cara com a gosma verde que maculava o produto original. O sugestivo aroma de penicilina foi decisivo para o enjoo. Claro, a culpa foi minha, não respeitei a reiterada advertência. Certas coisas não têm volta, depois de abertas, devem ser consumidas de imediato. Ou descartadas, sem cerimônia e sem remorso. O prazer, como a história para Marx, pode se repetir como tragédia ou como farsa. A iguaria já cumprira o seu papel. Naquela noite inesquecível, com cenas de filme francês, as ovas pareciam caviar, o espumante fez as vezes de champanhe. No embalo, faltou o ponto final, não tive peito para o clássico “the end”.

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