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Lendo meu jornal (EM)







Sentei-me num café da Praça Vermelha,
na única vez em que fui a Moscou.
Mesmo sem entender patavina,
abri solene o Pravda, era um sábado de sol.

O rapaz que me servia mostrou discretamente
uma notícia e sussurrou, arranhando um espanhol:
no túmulo de Stalin foi achado um livro de poesias,
era Maiakovski, mas a capa indicava o Capital.

Em Paris por sua vez, agora no Café de Flore,
também era um sábado de sol, abri encantado o Libération
e descobri que tinham visto Jean Genet
andando distraído pelas margens do Sena.

No Rio de Janeiro, também num sábado de sol,
abri o primeiro jornal que encontrei sobre o balcão.
No segundo caderno fiquei triste com a manchete:
São Sebastião declarou que não volta nunca mais.

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