Por — EDUARDO MUYLAERT
A primeira vez que o vi, fiquei totalmente
fascinado. Eu tinha 26 anos, fazia uma pós em história natural em Nova
Iorque, o dinheiro só dava para refeições ligeiras na cantina da faculdade.
Uma amiga me mostrou a joia num catálogo,
soube que estava, afinal, ao alcance de todo mundo. Claro, nunca é para “todo mundo”, só para
quem pode, e eu, efetivamente, não podia, não naquele bendito ano 2000, mesmo tendo
sobrevivido ao “bug do milênio”.
O mundo, felizmente, não acabara. Ainda não.
A peça parecia, mal comparando, um exótico colar de índios da América Central, mas
com um distintivo toque art déco. Eram legítimos tubos de coral, entremeados
de contas de turquesa e ônix, tudo combinado com pequenos diamantes, numa
corrente de platina e ouro. Nem me interessei
pelo preço, não era para o meu bico mesmo, eu não pertencia àquele mundo.
Fiquei me perguntando, porém: por que uns têm tanto, e outros quase nada? O
dinheiro, em si, não me atraia, mas alguns requintes sempre me tentaram, nunca
o suficiente para abrir mão da tacanha moralidade burguesa. A vida ascética
nunca me fez mal.
O colar era um Cartier, safra de 1925, e estava
então à venda numa importante casa de leilões. Eu tinha visto a notícia da
morte, aos 84 anos, de sua dona, a baronesa Bethsabée, dita Basheva de
Rothschild, irmã do barão Guy. Talvez a família mais rica do mundo, as mulheres
tinham dinheiro e poder, eram todas criadas em palácios. Beleza e felicidade, porém,
raramente abençoavam suas vidas, pelo menos é o que dizem.
Betsabéia
é um nome bíblico, foi mãe do rei Salomão, o pai era o rei David, casal de
múltiplas peripécias, nem sempre ortodoxas. Dizem que “foi
uma das mulheres mais gostosas e mais poderosas do Velho Testamento”. A nossa
Betsabéia não tinha essa bola toda, nunca ganhou concurso de beleza, não se
dava muito com a família, e detestava o estilo de vida dos ricos. Generosa
mecenas, era elogiada por sua “inocente grandeza”. E o que fazia com este colar,
se não gostava de exibir luxo?
Quando chegou a Nova Iorque, em 1940,
tinha 26 anos. Os pais, com a vida em risco, escapavam da França após a invasão
alemã. Uma foto de jornal mostra a chegada da família ao aeroporto La
Guardia, num clipper da Panam. O pai não desgrudava de uma bolsa,
na qual trazia joias que valiam um milhão de dólares, uma fortuna incalculável
na época.
Oito anos depois, Betsabéia casou-se com
um Bloomingsdale — sabem a loja de departamentos? Separou-se pouco depois, perdeu
um filho, dizem que o comerciante nem era o pai. Mas e o colar, será que ela chegou a usá-lo? Teria
causado sensação num baile em Monte Carlo. Imagino o príncipe Rainier injuriado
por não poder oferecer um igual a Grace Kelly.
Vinte anos depois, volto a dar de cara com
o colar, vai ser vendido agora em junho, lote 112, num leilão em Paris. Quando vi
o catálogo, não era mais o jovem inexperiente de Nova Iorque. Em tempo, tinha trocado
Darwin por Adam Smith. Me dei bem no mercado financeiro, leio o Economist,
o Financial Times e o Wall Street Journal, minha profissão definitiva
é ganhar dinheiro, e meu grande — talvez único — interesse é ganhar dinheiro.
Com o dinheiro que ganhei em negócios
razoavelmente lícitos, se quisesse, agora poderia comprar dez colares desse
tipo. Nem preciso me deslocar com meu Lear Jet, a venda é virtual, por
causa das estranhas circunstâncias deste 2020. A joia agora, afinal, está ao alcance
de qualquer um, de mim, de meus melhores amigos, a estimativa não chega nem a
dez milhões de reais.
Gosto mesmo é de ações, títulos de crédito,
bonds, fundos de renda fixa, tudo que um banco, ou uma corretora, possam
oferecer com promessa de lucros generosos. Ouro em barra, ouro em pó, ouro ativo
financeiro, sim. Jamais em correntinhas, mesmo enfeitadas com pedrinhas. Depois,
precisa ser meio louco para querer um colar desse preço. Serve para o quê?
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