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QUARENTENA, DIA 61

Por DANIELA MARTINS

15/5 - QUARENTENA, DIA 61. Não durou um mês o novo ministro da Saúde no cargo. Depois de humilhado publicamente pelo presidente, que decretou reabertura de academias e salões de beleza sem ao menos informá-lo, foi pressionado a assinar protocolo recomendando o uso indiscriminado da cloroquina e, médico que é, se viu obrigado a pedir demissão do cargo.

Espero que passe a noite de hoje ajoelhado no milho e de cara pra parede. Não é digno de pena quem aceita cargo no governo Bolsonaro. Em alguma página passada deste diário, eu disse que cada um que tenha feito ou que venha a fazer isso terá que acertar as contas com sua própria história algum dia. Para Nelson Teich, a conta chegou antes mesmo da sobremesa.

Tenho pena é de mim, de nós, que estamos submetidos os desmandos de um ex-capitão autoritário, que receita remédios sem base científica, que se recusa a ter interlocução com governadores e prefeitos do país que ele deveria governar.

Foi ainda mais absurdo o ministro sair passando pano e agradecendo ao presidente pela oportunidade que teve de estar à frente da pasta e poder “ajudar as pessoas”. Ajudaria mesmo se não fosse covarde e dissesse com todas as letras o motivo de seu pedido de demissão.

Que palavras usaremos para definir o próximo ocupante do Ministério da Saúde? Que justificativa essa pessoa terá para aceitar se submeter a jogar um jogo já jogado?

Quem vai recomendar cloroquina para pacientes de baixo risco? Quem vai endossar a quebra do isolamento social? Quem vai continuar atacando e virando as costas para os governadores e prefeitos, como se o Governo Federal não tivesse nenhuma responsabilidade? Quem vai renegar as diretrizes da OMS? Quem vai assumir o crime?

É estarrecedor o que estamos vivendo. Quase 15 mil pessoas morreram até agora no país. 824 morreram hoje! E seguimos desgovernados.

Fico até com medo de imaginar o que mais será necessário acontecer para que 30% dos brasileiros se deem conta de que estão apoiando um psicopata, narcisista, autoritário, inconsequente e criminoso.

Não consegui fazer nada hoje, nem a força do ódio foi capaz de me levantar.

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