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TÁ LÁ O CORPO ESTENDIDO NO CHÃO

- por TONY GOES O Brazil não conhece o Brasil. O Brasil não merece o Brazil. A pátria amada mãe gentil matou, nas últimas 24 horas, dois filhos seus que não fugiram à luta. Primeiro foi Aldir Blanc, que contraiu a Covid-19 dentro do hospital onde foi se tratar de uma infecção urinária. O cara nunca saía de casa e, quando saiu, morreu. Depois foi Flávio Migliaccio, que simplesmente não aguentou mais a barra que estamos vivendo. Enquanto isso, Regina Duarte, a suposta secretária da Cultura, manda mensagem privada para a família de Blanc, ao invés de soltar uma manifestação oficial de pêsames. Ela, que um dia teve medo de um governo do PT, hoje se borra de pavor das olavetes, que iriam atacá-la nas redes por lamentar a morte de um "comunista". 
Eu tive o privilégio de crescer ao som das letras de Aldir Blanc. Tive a sorte de, recém-ingressado na APCA, participar da votação que deu a Flávio Migliaccio o prêmio de melhor ator de TV de 2019. Ele não foi receber o prêmio: já adoentado e proibido de viajar por seu médico, mandou um vídeo de agradecimento. As circunstâncias de seu suicídio ainda não foram esclarecidas, mas a carta que ele deixou é de partir o coração. Meu colega Fefito publicou e depois apagou, pois alguns leitores acharam que poderia ser um gatilho. Mas eu posto aqui uma foto. Se você tem tendências, não leia, é claro, e procure ajuda profissional ao invés de dar pinta aqui neste blog. Mas acho que hoje nós precisamos todos de ajuda profissional. Uma pandemia sem fim, um governo que já deveria ter acabado, um desalento que só aumenta a cada morte de um grande artista ou intelectual. E a ponta de um torturante band-aid no calcanhar.

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