–Por J. MARCELO ALVES
Aconteceu há pouco uma transmissão ao vivo pelo YouTube, no Canal USP e com moderação do jornalista Herton Escobar, de cinco palestras curtas mais sessão de perguntas do público (link) sobre os desafios científicos e como vencer a pandemia. Tudo feito remotamente, claro, incluindo as mensagens da plateia virtual.
O evento teve uma hora e meia de duração ao todo, foi seguido até o fim por cerca de mil e quinhentas pessoas, segundo o contador da plataforma, e vale a pena ver, mesmo que por vezes a linguagem dos palestrantes tenha sido mais técnica. Isso não deve ter incomodado boa parte da audiência que se manifestava no quadro de mensagens, uma vez que muitos se identificavam como parte de universidades e centros de pesquisa, e entre eles muitos nomes de pessoas conhecidas no meio científico.
Houve até a ilustre presença no quadro de mensagens de um robô (ou troll de carne e osso, quem sabe?) bolsonarista e anti-isolamento, a Lina —não me lembro do sobrenome— postando várias mensagens contra isolamento, pedindo intervenção militar e liberação para venda de hidroxicloroquina em farmácias. Foi prontamente rechaçada e reportada como robô e não incomodou mais.
Os palestrantes foram professores e pesquisadores brasileiros de grande renome internacional. Um bálsamo, nestes tempos de notícias falsas espalhadas por gabinetes do ódio e quetais, ouvir gente que sabe do que está falando.
Esper Kallás, médico infectologista professor da Faculdade de Medicina da USP e coordenador do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas da USP, falou principalmente da progressão da pandemia, com ênfase no Brasil e em como deve ser a progressão no futuro próximo. Descreveu como o isolamento social implementado cedo por vários governos estaduais no Brasil ajudaram a manter a disseminação do vírus em uma velocidade razoável, por enquanto, e que é perigoso.
Ester Sabino, médica imunologista e também professora da FM-USP, responsável pelo sequenciamento, em meros dois dias e no final de fevereiro deste ano, do novo coronavírus do primeiro paciente identificado no Brasil, falou bastante da genética e das possíveis origens do Sars-CoV-2 a partir de animais silvestres, e enfatizou como corremos perigo no Brasil também, pela destruição do ambiente e consequente maior contato com vírus silvestres.
O médico imunologista Jorge Kalil, coordenador do laboratório de imunologia do Instituto do Coração (Incor) e professor também da FM-USP, lidera as pesquisas em vacinas contra o novo coronavírus no Brasil. Falou sobre como as vacinas são desenvolvidas e por que demora para desenvolver uma; acha que será surpreendente se for desenvolvida uma em um ano e meio a dois anos, uma vez que em casos anteriores levou cinco anos ou mais. E afirmou que "o vírus veio para ficar" e só teremos sossego com uma vacina ou um tratamento bom e barato —ambos infelizmente ainda não existentes.
Paola Minoprio, biomédica imunologista pesquisadora do Instituto Pasteur (França) e coordenadora da Plataforma Científica Pasteur-USP, falou dos tipos de testes diagnósticos empregados para a Covid-19, como funcionam e seus pontos fortes e fracos. Há ao menos dezoito deles em uso, com diferentes níveis de qualidade nos resultados. Como outros dos palestrantes, menciona o otimismo quanto à possibilidade de desenvolvermos imunidade contra o vírus, assim como quanto a uma vacina.
Por último, falou o professor Paulo Saldiva, médico patologista da FM-USP e especialista em fisiopatologia pulmonar, doenças respiratórias e saúde ambiental, focando primeiramente nos efeitos da Covid-19 nas diferentes partes do organismo humano e como estão sendo feitas, no mundo, várias pesquisas em relação à patologia da Covid-19. Ele também descreve os estudos, seus e de outros grupos, usando geolocalização dos casos para mapear as áreas com maiores riscos de contágio e mortalidade. No final, discorreu brevemente sobre outras pandemias na história, enfatizando que o vírus está fazendo o que sempre fez, e que nós criamos, com o aumento da conectividade humana ao longo dos séculos, as condições cada vez mais propícias para pandemias. E que é essencial portanto continuar com a ciência e a cooperação internacional, investir mais em vacinas (já que as empresas preferem tópicos mais lucrativos e menos arriscados como hipertensão, impotência e perda de cabelos, por exemplo), pois podemos ter menos sorte da próxima vez e termos de encarar um patógeno muito mais mortal.
Os dois momentos mais fortes do evento vieram de falas de Saldiva. De acordo com os dados, o risco de morte na cidade de São Paulo varia até dez vezes conforme a região da cidade. "Ou seja, o código de endereçamento postal nos parece ser tão importante quanto o código genético dessas pessoas", diz o pesquisador. Resume bem o drama sobretudo social que a medicina pode ser.
O outro momento foi quando ele respondeu à pergunta da plateia sobre como convencer as pessoas de que o isolamento é importante. Saldiva disse que não sabe como fazer isso e descreveu como, no último domingo (3), passou das 8:30 às 16:30 na sala de autópsia na FM-USP. Nesse dia, foi examinada uma menina de onze anos e sem comorbidades que morreu de Covid-19. Ele descreve como se sentiu impotente e desanimado quando, na volta para casa, topou com manifestação na avenida Paulista contra as restrições de mobilidade. Afirmou que não saberia o que dizer para tais pessoas e que, mesmo que tentasse, provavelmente "seria linchado ali".
Como disse Flávio Migliaccio em suas últimas palavras, realmente há muitas vezes em que parece que "a humanidade não deu certo". O que nos dá mais esperança é a existência de gente como os palestrantes, além de tantas outras pessoas trabalhando na linha de frente da educação, pesquisa, tratamento e controle da pandemia, mesmo em face às condições materiais e políticas desfavoráveis.
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