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QUARENTENA, DIA 47

Por DANIELA MARTINS

01/5 - QUARENTENA, DIA 47. Michele estava sentada no chão, ao lado do pitoco metálico para prender os cães, na porta da padaria Aracaju. Ela cobria os cabelos com uma sacola plástica e pedia alguma ajuda aos clientes que chegavam.

Nossos olhares se cruzaram e ela, do nada, achou que precisava me dar alguma explicação sobre aquele saco na cabeça. “Amada, tá tão horrível que eu não tenho coragem de mostrar. É que eu uso bem descolorido, mas tô sem condições de comprar creme, tá tudo quebrado”.

Eu ri e disse que aquele troço tava certamente pior do que qualquer cabelo, por mais desgrenhado que fosse. Ela riu também. Fui até o quarteirão seguinte e comprei um kit de xampu e condicionador pra Michele.

Ela ficou feliz e me contou que hoje é seu aniversário. Nem posso imaginar como é a vida nas ruas para uma mulher trans.

Enquanto eu estava na farmácia comprando o creme pra ela, choveu. Quando eu saí da padaria, já estava sol. Foi como se estivesse vivendo num timelapse. Alguns minutos fora de casa e tanta coisa acontece.

Acho que ficamos mais perceptivos quando saímos tão pouco, como falcões sem a venda nos olhos. Tomara que meus vizinhos de Higienópolis também consigam ver a Michele!

Além de aniversário dela, hoje é Dia do Trabalho, e um grupo de enfermeiros fez um protesto silencioso na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em memória dos colegas de profissão que perderam as vidas na pandemia.

O ato foi invadido por trogloditas bolsonaristas que berravam e ameaçavam todo mundo, babando seu ódio sem máscaras, acometidos por essa doença que desumaniza completamente uma parcela significativa dos cidadãos brasileiros.

No Rio de Janeiro, os médicos passarão a seguir um protocolo para selecionar os pacientes que terão direito aos respiradores. Haverá uma pontuação de acordo com o funcionamento dos órgãos vitais.

Segundo o jornal Extra, “O documento também prevê critérios de desempate, caso haja pontuações idênticas. O primeiro é se o paciente está em ventilação mecânica, já ligado a um respirador. O segundo é a idade do doente. Os mais jovens, com até 60 anos, ganharão uma vaga antes dos que têm entre 61 e 80 anos. Os acima dos 80 ficarão por último na disputa por leito”.

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